terça-feira, 15 de março de 2016

No escuro - Elizabeth Haynes

Dois momentos da vida de Catherine são intercalados: momento presente e quatro anos antes. No decorrer da leitura, o pensamento de pular os capítulos de 2007 e 2008 e correr a história do passado completa e depois ir pro atual torna-se quase irresistível. Não pela ansiedade, mas pela chatice dos capítulos curtos, pelo pula-pula de tempos,  um recurso para segurar o suspense, porém nos deixam com impaciência e quebra muito o ritmo da leitura. Então fica a dica: se quiser ler o livro como Cortázar em "O jogo de amarelinha", quando os capítulos são pulados, sintam-se aconselhados a seguir esse instinto.
A trama é interessante, um suspense bom, que prende, como "Restos Humanos", também dela. Está na fila de leituras "A vingança da maré". Está ali, só esperando. 
A trama é a seguinte: Catherine é uma solteira convicta de 28 anos, sai muito à noite, namora(e transa) bastante, curte a vida com os amigos, até conhecer Lee, um charmoso, bonito, carismático, elegante, interessante e misterioso espécime da raça masculina. Testosterona pura. E entrega-se demais, espera demais, confia demais e, quando percebe, está com ele em sua casa, morando juntos, pretendendo casar, mas logo ela começa a perceber que o real Lee não era o doce e maravilhoso que tentava demonstrar. Por trás, um homem violento, egoísta, que mente, disfarça, invade, a vigia, prende. Leva uns sopapos e quase morre, salvando-se milagrosamente. Aí vem (vem não, se desenvolve em paralelo), quatro anos depois, Lee já na cadeia, a estória paralela com ela refazendo a vida em Londres, com transtornos emocionais traumáticos, conhece o psicólogo Stuart, vizinho do apartamento de cima, que a faz querer mudar e melhorar, mas ela já não é a Cathy de antes, é outra mulher, com sofrimento da alma impregnado em  seus dias e sua rotina.
Os relatos do TOC são bem detalhados, impressiona, sentimos a angústia da ansiedade de quem sofre o transtorno. 
Vale a pena o suspense, uma boa leitura. 

"Então assumi o controle, passei a monitorar cada minuto do meu dia, cronometrando as coisas obsessivamente, contando meus passos, planejando horários para tomar chá; aquilo me deu um propósito, me deu um motivo para colocar um pé à frente do outro a cada dia, por mais podre, sombria e solitária que eu me sentisse."

"Sempre achei que mulheres que continuavam levando adiante um relacionamento violento e abusivo só podiam ser umas idiotas. Afinal, em algum momento elas deveriam ter percebido que as coisas tinham saído errado e que, de repente, haviam passado a sentir medo do parceiro — e, sem dúvida, era este o momento de terminar a relação. Deixá-lo sem pensar duas vezes, foi o que sempre pensei. Que motivo elas teriam para continuar? E eu já vira mulheres na televisão ou em revistas dizendo coisas como “Não é tão simples assim”, e eu sempre pensava, claro que é, é simples, sim — apenas vá embora, afaste-se dele."  

sábado, 12 de março de 2016

A máquina de fazer espanhóis - Valter Hugo Mãe

Antônio Jorge da Silva, senhor silva, é um octogenário, viúvo depois de quase 50 anos de casamento com Laura, tem dois filhos. Quatro meses depois do título de viuvez, a filha Elisa o transfere para um asilo, o Lar da Feliz Idade, onde conhece outra vida, nova, mas não recebida com prazer. Além da saudade da esposa, conviver com outras pessoas, ele, que nunca foi afeito a amizades, apenas a esposa e os filhos formavam seu universo de barbeiro em Lisboa, vivido na juventude em plena época de Salazar.
O envelhecer mostrado pelas vestes de quem não se enxerga com 84 anos, em plena capacidade de raciocínio (quer dizer, na maioria das vezes), a percepção de ser internado numa instituição de idosos, aproximar-se de doenças, a esperar pela morte.
Nos primeiros 10% do livro, quando Laura, a esposa do senhor silva, morre, já percebemos que o livro nos arrebata, desperta sentimentos fortes de ruptura, solidão, depois a outra realidade de nova morada, duas mudanças radicais.
Além de senhor silva, há esteves, um fictício personagem de um poema de Fernando Pessoa, pereira, dona marta, silva da europa, américo, o espanhol que gostaria de ser português, figuras do asilo que compõe um quadro de decadência, de amizade, de descobertas. Letras minúsculas nos nomes próprios,  característica do autor.
Cada um dos personagens tem sua caricatura perfeita, construído com primor. Como o médico da instituição: "(...) fiquei sentado com o doutor bernardo, posto diante de mim como um anjinho lavado acenando-me com nuvens de algodão doce e pássaros", ou os olhos reluzentes de Anísio e sua namorada
Um livro maravilhoso. Emocionante.

"Com a morte, também o amor devia acabar, acto contínuo, o nosso coração devia esvaziar-se de qualquer sentimento que até ali nutrira pela pessoa que deixou de existir, pensamos, existe ainda, está dentro de nós, ilusão que criamos para que se torne todavia mais humilhante a perda e para que nos abata de uma vez por todas com piedade, e não é compreensível que assim aconteça, com a morte, tudo o que respeita a quem morreu devia ser erradicado, para que aos vivos o fardo não se torne desumano, esse é o limite, a desumanidade de se perder quem não se pode perder"