terça-feira, 10 de maio de 2016

O homem duplicado - Jose Saramago

Tertuliano Máximo Afonso, professor secundarista de História, assiste a um filme chamado "Quem Porfia Mata Caça" por sugestão de um colega professor de Matemática para lhe distrair e sair da depressão-tédio-vazio momentâneo. Porém, na fita, encontra a si  mesmo num ator de papel coadjuvante atendente de um hotel. Tal qual olhar-se num espelho, ao tempo do filme, alguns anos atrás. O professor fica abalado, resolve investigar quem seria sua cópia, enquanto está às voltas com o relacionamento morno com a bancária Maria da Paz. Descobre que o ator que tem nome artístico Daniel Santa-Clara, de batismo Antônio Claro, casado com Helena. Encontram-se e Tertuliano desperta a curiosidade na sua cópia, ou ele seria a cópia do tal igual. Até que esse dito  tal tem desperto a sua vaidade e cobiça e quer se passar por Tertuliano para uma noite de amor com Maria da Paz. 
Para quem conhece Saramago, acostumado com seus livros sem pontuação, sem delimitação de diálogos, um ótimo livro, mesmo não sendo o melhor escrito por ele.
Foi transformado em filme em 2014. A película deixa passar muitos detalhes importantes e cria novos fatos (como sempre em filmes baseados em livros), fugindo da fidelidade ao autor. Nele, ao final, Tertuliano, que nem o nome foi preservado, em residência do Antonio Claro, ao abrir uma porta para procurar Helena, vê uma aranha gigante, uma analogia à passagem inicial, quando o ator está em uma sala e segue um ritual onde mulheres são expostas a aranhas, observadas por vários homens, tal seitas secretas. Também poderia ser um bordel, as prostitutas expondo seus corpos aos homens. Nessa cena, uma das mulheres deixa escapar uma aranha da caixa que carrega e a esmaga e Antonio Claro assiste com a mão no rosto. No meu pouco entendimento, as aranhas seriam representações de mulheres e teias de aranha podem ser observadas no decorrer do filme. Há também a interpretação que o professor seria o alter ego no ator e representaria a liberdade, já que a esposa de Antonio tenta superar o ciúme - fato quase inexistente no livro, mas com ênfase no filme, sem falar na gravidez de Helena, que não há no exemplar. 
Tentar explicar o livro com o filme ou vice versa é sem sentido. Cada um tem sua interpretação própria, eu não vi um no outro, a não ser o fato de um homem  encontrar-se duplicado numa outra pessoa.
O livro vale a pena, o filme nem tanto.

domingo, 1 de maio de 2016

Teoria geral do esquecimento - José Eduardo Agualusa

Ludo é portuguesa, mudou-se para Angola, porque acompanhou a irmã, quando esta se casou com um engenheiro africano. Porém, inicia-se a guerra da independência no país e o casal decide que voltarão a Lisboa e vão a uma despedida. Ludo decide não ir, já que desde cedo, avessa a sair, expor-se ao sol, aos olhares alheios. E o casal não retorna ao apartamento para a saída do país. E ela fecha a única entrada com tijolos, isolando-se do mundo, ela e o cachorro, temendo a invasão de bandidos que procuravam umas pérolas deixadas pelo cunhado.
E assim passa-se 30 anos, Ludo vivendo de um pequeno pomar, de pássaros que conseguia capturar, usando móveis e assoalho como combustível.
Recomendo. muito bom.

Enquanto agonizo - William Faulkner


Título original: As I lay dying
Tradução: Hélio Pólvora
Baseada na segunda edição americana, 1930
Expansão Editorial
Romance ambientado em Yaknapatawpha, condado imaginário situado no estado do Mississipi, EUA, anos 20.
Addie Bundren está morrendo, deitada em sua cama, enquanto acompanha pela janela do quarto o filho mais velho Cash, fabricar seu caixão. Seu último desejo é que seja enterrada em sua terra Jefferson, conforme verbalizou para o marido. Após sua morte, o marido, Anse, junto com os cinco filhos, pegam a estrada com uma parelha de burros para a peregrinação com o caixão e a morta dentro dele. Personagens embrutecidos, feito raízes de árvores centenárias que se vê apenas os nós na terra, sem emoções, secos, áridos, sem comunicação, onde apenas o olhar já diz sentimentos, reações, estado. O marido, personagem sem coragem para o trabalho ou enfrentar a vida, cumpre a palavra dada à esposa, mesmo que ela não tenha sido a fidelíssima e amantíssima companheira que esperava (se fosse consciente do fato, talvez não se desse ao trabalho, quem sabe). Mas sería um último sacrifício, antes de sua liberdade final? Cash, o filho mais velho, carpinteiro, mais responsável, Darl, um jovem sem coerência de pensamentos, perturbado, Jewel, o filho revoltado, bruto, Dewell Dell, a garota que leva consigo um grande segredo e o garoto Vardaman, um menino que  imagina a mãe como um peixe, acompanha o mundo com a  imaginação infantil sem lapidação.

O livro é dividido em pequenos capítulos (creio que 59), contados em primeira pessoa, cada um com seu  ponto de vista do momento da trama. 15 primeiras pessoas, inclusive um capítulo com a morta. Entre eles, o médico, vizinho, entre outros personagens que surgem no andar da estória, inclusive um capítulo com cinco palavras: "minha mãe é um peixe", em Vardaman.

Um livro magnífico, daqueles que, ao fechar da última página, fica em silêncio,  olhando o vazio, ainda com os sentimentos adormecidos, doídos pela forma de escrita, arrebatada pelo vazio e pela vida que retrata tão cruamente o autor.

"Para fazer a gente, são necessárias duas pessoas; para morrer, basta uma. Assim o mundo marcha para o fim"

"Lembro-me que, quando jovem, eu julgava a morte um fenômeno do corpo; agora sei que  não passa de função do espírito - também do espírito dos que sofrem a perda. Os niilistas dizem que a morte é o fim; os fundamentalistas, que é o princípio; quando, na realidade, não é mais que um inquilino ou uma família que sai de uma casa alugada ou de uma cidade"

"Deus haver criado as mulheres está em que o  homem não conhece seu próprio bem quando este bem aparece."

"Em quarto estranho é preciso criar em nós mesmos o vazio, para poder dormir. E antes de se ficar vazio para o sono, o que é que somos, afinal? E quando ficamos vazios para o sono, já não somos nada. E quando estamos cheios de sono nunca somos nada. Não sei o que sou. Não sei se sou ou não sou. Jewel sabe que ele é, porque não sabe que ele não sabe se é ou não é. Não pode esvaziar-se para dormir porque