segunda-feira, 17 de julho de 2017

O violão azul - John Banville

Oliver Otway Orme é o personagem do livro que nos leva ao deleite de uma ótima leitura. Aos quarenta e poucos anos ele se acha velho. Absurdo, claro. Eu sou uma menina.
A mente do nosso Olly é um campo minado. Em uma conversa, um objeto pode chamar sua atenção, que reporta uma memória,  um passado ou uma simples metáfora. Assim é maravilhoso livro de Banville.
Nele descobrimos que todos  te percebem e vc se pensa invisível, o ego constrói o presente, acredita no que acha. Por isso é sempre de bom alvitre nunca ter conceitos próprios arraigados.
Quando Oliver tem as recordações do pai, assim como da mãe, fazemos a leitura do quanto é costurado em nós a infância e nossos progenitores.
Mas vamos à trama: Orme, casado com Glória,  é um cleptomaníaco pintor que voltaa viver na cidade da sua infância,  pintando seus dados quadros,  cultivando sua gordura e tendo seus casos extraconjugais. Polly, esposa de Marcus, o relojoeiro e amigo, se encanta pelo poder que emana do ruivo e gordo artista plástico.  porém nosso herói não sabe tomar decisões,  como a esmagadora maioria da raça masculina, decide fugir, não encarar os problemas quando Marcus descobre que a esposa tem um amante. E ele se deixa levar pelos medos e circunstâncias.  Pode se sentir tranquilo contanto que não force a decisões. Como disse, homens!
Tirar observações estupendas de personagens secundários como a Pip, a filha de Poly, e Janey, a cozinheira mau humorada que trabalhava para os pais de Poly é um dos encantos do livro.
Também como descreve e os cenários,  paisagens e sentimentos, com metáforas e muito brilhantismo.
Uma maravilhosa viagem literária.

Breves passagens:
"Eu mentira toda minha vida, nadava num oceano de falsidades menores - roubar transforma o homem num mestre da dissimulação -, mas será que podia confiar em mim mesmo agora para manter a cabeça fora d'água, nesse estreito turvo e cada vez mais fundo? Se eu hesitasse, se piscasse, até, a mera reação me entregaria na hora."


"Como minha mente é errática, tentando evadir-se a si mesma, só pára tornar a encontrar ela própria, com um terrível susto, vindo pelo lado oposto. Um círculo fechado como se houvesse de algum outro tipo -, é nisso que vivo."

"O passado, o passado. Foi o passado que me trouxe de volta para cá, pois aqui, nessa cidadezinha de dez mil e poucas almas, um lugar que poderia ter sido sonhado pelos Irmãos Grimm, aqui é eternamente o passado; aqui estou retido, imobilizado aqui, encasulado; não preciso me mexer nunca mais até chegar o momento da grande e derradeira mudança. Sim, devo ficar por aqui, parte deste mundinho, este mundinho uma parte de mim. às vezes a obviedade disso tudo me deixa sem ar."

"Embora intimidante, e muito, pelo tempo que durou, aquilo dificilmente foi único: a vida, a vida com microperfurações, é pontuada por esses relances do mistério insondável de estarmos aqui, todos juntos e irreconciliadamente sozinhos."

"Queria entender minha esposa um pouco melhor que entendo, ou seja, quem dera eu a conhecesse melhor. A despeito do tempo que estamos juntos, ainda me sinto como um noivo das antigas em sua noite de núpcias, aguardando com ardente  impaciência e não pouca trepidação que sua noiva nova em folha deixe cair a camisola, solte o espartilho e enfim se revele em toda ruborizada nudez.""

"O olhar que vi, com clareza perturbadora, foi que não existia essa coisa chamada mulher. A mulher, percebi, é fruto da lenda, uma quimera que transita pelo mundo, pousando aqui e ali, nesta ou naquela desarmada fêmea mortal, a qual transforma, de modo breve mas momentoso, em objeto de desejo, veneração e terror."

"Invoquei Deus também, embora em silêncio, rezando em toda sua inexistência para me resgatar desse apuro"

"Quão anestesiados e anestesiantes podem ser esses insights súbitos. Melhor não tê-los, talvez, e agarrar-se as uma matutice primordial."