terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Pretérito imperfeito - B. Kucinski

Editora Companhia das Letras
152 páginas 

Um casal de professores universitários ligados às artes cênicas têm dificuldade em gerar próprios filhos se decidem pela adoção.  À época,  adoção à brasileira,  ou seja, uma declaração que foi parto natural em casa e feito o registro. O ato da adoção desmistificado pela narração em primeira voz do pai. O filho, inicialmente com problemas de saúde,  depois torna-se uma criança cheia de vida, inteligente. Mas logo se revela o deficit de atenção,  a adolescência problemática, envolvimento com álcool e, finalmente, drogas pesadas. O pai faz uma espécie de desabafo do desespero e angústia que traz um filho drogado. Uma reflexão sobre a adoção e o despreparo para uma paternidade não programada.
O autor baseou-se em sua própria experiência para escrever o livro.  Em uma entrevista ao br.noticias.yahoo.com, declarou:  "O objetivo foi fazer uma criação literária inspirada numa história de vida real. Os cenários na grande maioria são reais e os episódios aconteceram, embora apenas parte deles."
"O senso comum vê adoção como ato de caridade. Quanta ilusão! Adota-se quase sempre para ter uma família, não para dar uma família à criança. É o miserável desamparo nosso que nos move, não o desamparo maior da criança. Adota-se para fugir a um luto, para compensar uma perda, para salvar um casamento, ou por uma combinação desses motivos.
Há quem adote tão somente para assegurar amparo na velhice. Mesmo a adoção de filhos de criação, devido à morte ou insuficiência de um parente ou vizinho, pode esconder razões  interesseiras. Seja que motivos for, adoção é posse, aquisição. Na adoção à brasileira, às vezes até se paga, a pretexto de ressarcir despesas de parto. Na adoção em orfanato, casais escolhem aquele que lhes parece mais bonito, como quem escolhe a cor de um carro. Até recentemente,  podia-se registrar filho adotado igual se registra propriedade: por escritura pública."
"(...) Na fase difícil, delicada, da passagem da puberdade à adolescência, quando. O jovem é tomado por impulsos contraditórios, às vezes se apartando perigosamente do mundo real. Hoje sei, por outro psicanalista, o inglês Donald Winnicott, que o filho adotivo é ainda mais exigente e sensível que o consanguíneo; jamais deve ser abandonado, nem mesmo na adolescência."
"Em sua novela autobiográfica Junkie, William Borroughs descreve a incessante e frenética procura por doses de heroína nos becos de Nova York,  Nova Orleans e da Cidade do México. Sem vontade própria, vivia em função de um único e permanente objetivo: obter uma dose, para não ficar fissurado, como diz o léxico da galera.
"Confesso que já o quis morto. Pensamento que depressa afastei, assustado comigo mesmo. Necessitava tanto e tão imediatamente de alívio que levava em conta o incomensurável sofrimento da perda do único filho."
"Em todos esses anos, só tivemos sossego, paradoxalmente, durante os seis meses de abstinência forçada, em que cumpriu pena na cadeia pela agressão à companheira."
"Muitas vezes me perguntei: para que serve um filho desses? Se eu fosse crente, diria que veio ao mundo para nos pôr à prova."
"O homem pode existir de muitas formas e pode mudar a forma de existir; porém, o tempo de uma existência é limitado. Metade de seu tempo se foi. Por isso, para que serve um filho desses?"

Nasceu em São Paulo em 1937. Jornalista, professor aposentado da Universidade de São Paulo, autor de obras sobre economia, política e jornalismo e assessor da Presidência da República entre 2003 e 2005. Lançou, aos 74 anos, K: Relato de uma busca - seu primeiro livro de ficção, finalista de vários prêmios nacionais e internacionais.
Atualmente mora no bairro de Pinheiros em São Paulo.