domingo, 6 de dezembro de 2015

Dias Perfeitos - Raphael Montes

Théo desenvolve uma paixão doentia por Clarice depois de um encontro casual num churrasco. Ele, estudante solitário, frio, com hábitos pouco saudáveis. Mas  é rejeitado pela jovem, então decide sequestrá-la para que possa lhe conquistar o amor. Método bizarro, mas vindo de Raphael Montes, um de meus escritores brasileiros contemporâneos favoritos, não se estranha. O desenrolar da trama é cheio de detalhes psicológicos, como o autor gosta, um final que surpreende.
Daria cinco estrelas. Mas já dei muitas pra Montes, baixar um pouco a bola.

sábado, 14 de novembro de 2015

Resta Um - Isabela Noronha

Não gosto de futebol, mas vou fazer uma analogia com o livro de Isabela Noronha: perdeu o jogo na prorrogação do segundo tempo e com gol contra. Sensação de frustração. O livro iria ganhar três ou quatro pontos na indicação (de cinco), a autora escreve bem, prende, soube fazer três tempos diferentes, detalhes que se percebem em poucas frases, perfeito. Mas o final foi decepcionante. A impressão é que a autora estava com pressa de acabar e decidiu fazer qualquer "meia sola" pra o desfecho.
A estória é uma sacada boa: Lúcia e José tem uma filha de 11 anos, Amélia, que sai uma noite para a festa em casa de uma amiga, poucas casas adiante de onde mora. Só que não volta. Some, como centenas de pessoas diariamente. A angústia de quem fica, de quem deseja uma explicação para o destino da filha é retratado com perfeição pela escritora. Também consegue descrever a mente de uma idosa com problemas mentais ou com sinais senilidade. Escreve bem a autora.
Não gostaria que houvesse um final feliz, ou tudo ficasse esclarecido, nada tão previsível. Esperava um final inesperado que desse aquela surpresa que tudo o que se leu era o oposto. Fator surpresa. Que nada! É como se Lúcia fosse no supermercardo e... fim! Precisaria de um desfecho como foi o de Dona Esmê.
Em homenagem à "desfinalização" do fim do "Resta um"... o_o.

Em protesto, sem trechos. 

sábado, 7 de novembro de 2015

A Mulher Enjaulada Departamento Q - Livro 01 - Jussi Adler-Olsen

O policial Carl Mørck é designado para assumir o "Departamento Q", criado para tentar resolver casos não solucionados na investigação após o crime / ocorrência. Mesmo depois de passar pelo trauma de perder um companheiro de trabalho e o outro ficar com tetraplegia, além dos tiros no próprio corpo. Começa com o analisando o desaparecimento de Merete Lynggaard, ocorrido quando fazia um cruzeiro com o irmão Uffe. Paralelamente a esta designação e início da investigação, a autora narra a realidade de Merete Lynggaard, enclausurada em um quarto, apenas com o básico para sobrevivência, sem contato com qualquer pessoa, apenas ouve alguém que se comunica por um auto falante dando instruções. Essa descrição nos faz ficar com claustrofobia, uma agonia pela clausura. Porém, ao final do livro, me questiono como alguém pode ficar mais de cinco anos nessa situação sem enlouquecer ou morrer. Isso é pura ficção das mais fantasiosas.
O livro prende, tem uma lógica na ligação dos fatos, mas ficamos nos questionando por que tantas estórias paralelas para encher páginas, como a esposa Vigga, o enteado mal humorado, o inquilino, entre outras. 
Duas estrelas pela tensão que a autora criou. mas é um livro razoável.

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Proibido - Tabitha Suzuma

Um rapaz tem fobia social, é responsável pelos irmãos mais novos, junto com a irmã Maya. A mãe não tem responsabilidade pelos filhos, nem pela casa, apenas com o namorado e suas bebedeiras. Até aí uma estoriazinha clichê. Aí os irmãos se apaixonam. É, incesto mesmo. Aguentei até a metade do livro, mais ou menos, uma escrita cansativa, com detalhes de diálogos com as  crianças da trama, uma lenga lenga sem tamanho, sem falar no asco que me deu. Abandonei a leitura. Leio de tudo, qualquer atrocidade, mas uma trama besta dessas e muito mal escrita, minha capacidade de leitura não alcança.
Tem menos 5 estrelas? Não, né? Então zero estrelas. Não pelo abandono, pela qualidade do livro. Não esperam passagens, por favor!

domingo, 18 de outubro de 2015

A Arte de Ser Normal - Lisa Williamson

David tem 14 anos e não se sente como menino. Ele não se vê no corpo de um homem, sonha em  sentir seios crescendo, os pés menores, a altura não chegar a de seu pai, as partes íntimas sumirem. Sofre bullying na escola. Chamam-no de "show de aberrações", porque, quando criança e a professora perguntou o que ele queria ser quando crescesse, respondeu: "quero ser menina". Enfrenta a difícil batalha de contar aos pais, enfrentar a escola, a vida.
Leo é um rapaz que vem de um lar desajustado, a mãe não se fixa num namorado, não é presente, as irmãs relegadas. Ele é transferido para a escola de David por motivos, segundo boatos que chegam com ele, por ter decepado uns dedos de um professor. Mas não é essa a real razão dele ter sido expulso do colégio anterior, Cloverdale. Ele desperta medo entre os demais alunos e fascínio em uma aluna, Alicia, já que é um bonito e misterioso rapaz. Mas chama a atenção de David também e acabam se tornando amigos. Leo não faz amizades com facilidade, é isolado, carrega consigo um segredo.
Em ficção temos de aceitar tudo tal qual a autora descreve. Tá. Esse bla, bla, bla eu sei. Mas posso discordar, duvidar, me irritar com coisas que fujam de uma realidade óbvia. Qual a chance de duas pessoas como David e Leo caírem  numa mesma escola, se atraírem e se tornarem grandes amigos? Parece coisa muito irreal.
No mais, percebemos claramente o que é alguém não se enxergar no corpo que possui. Olhar-se no espelho e não se aceitar. Além de não ser aceita pelos outros, mas bem pior não ser por si mesma.
Um livro razoável. Dei uma estrelinha.

Passagem:
"(...) minha mãe está esperando que eu conte que sou gay. Acho que ela está esperando esse momento há anos; desde que pedi minha primeira Barbie no Natal, corri pela casa usando meu primeiro par de asas de fada, enrolei uma toalha na cabeça e fingi que era uma cabeleira comprida. Ela provavelmente tem ensaiado uma resposta há meses, praticando no espelho o equilíbrio adequado entre surpresa e aceitação."

sábado, 17 de outubro de 2015

Diário de uma vida perdida na memória - Rowan Coleman

Todos tememos uma doença, tememos a demência, a invalidez, o esquecimento. Esse livro é sobre a chegada precoce do Alzheimer para a personagem Claire. Herança do pai. Primeiro há pequenos lapsos de memória, depois confusão mental,  desorientação, os nomes dos objetos vão embora, as pessoas são esquecidas. O corpo fica, a memória envelhece, a mente adoece.
Todos os principais personagens do livro, Claire, Caitlin, Ruth e Greg escrevem no diário que guarda as lembranças de quem as perde rapidamente. E os capítulos são divididos pelas vozes de cada um. Não há desespero, apenas aceitação e luta, preocupação com quem em breve será uma presença fantasma entre os demais.
Claire era alegre, inteligente, mãe de Caitlin, filha de Ruth e casada com Greg. Há também a filha de 3 anos, Esther, o alento e o sol para todos. A doença vai tomando conta de sua realidade, mas ela continua raciocinando, pensando, apenas o branco do esquecimento que resta.
Angustia, quando nos colocamos no lugar da personagem principal. Até fiquei pensando se eu mesma não tinha  sinais da doença em mim. Meus brancos, os esquecimentos eram bem parecidos. Hipocondria à parte, nós realmente pensamos como é sutil a linha da sanidade e do alheamento. E isso a autora sabe descrever. Eu, como suicida em potencial, concluo: eu poria fim aos meus dias antes do breu total...
Um bom livro.
Passagens:
"Foi no dia que me esqueci qual sapato pertencia a qual pé, tomei o café da manhã duas vezes e me esqueci do nome da minha filha."
"É melhor ficar com o demônio que já se conhece."
"Quando penso em amor, tenho a impressão de pensar em algo externo a nós. Algo mais do que apenas sexo e romance. Acho que, quando nos formos, o que  restará de nós é o amor."
"Acredito no direito de escolha da mulher, mas nunca me ocorreu que, se eu estivesse nessa situação, escolheria a vida - embora, de fato, quando penso nisso, fica absolutamente óbvio: minha mãe me escolheu."
"Não a verei passar nas provas nem entrar na universidade; não a verei usar beca, tornar-se piloto de guerra ou ninja ou Doctor Who, que é sua maior ambição. Não a assistente - isso ela não quer -, mas o próprio Doctor. Vou perder todas essas coisas. A vida vai se passar por mim e não saberei nada a respeito, isso supondo que até lá meu cérebro não tenha se esquecido de informar aos meus pulmões como respirar e eu ainda esteja viva. A morte talvez seja preferível: se o céu e os espíritos de fato existirem, eu poderia olhar para ela, olhar para todos eles. Eu poderia ser um anjo da guarda, mesmo ainda sabendo que os anjos da guarda são estraga-prazeres. Além disso, não acredito em Deus, o que provavelmente me impediria até de me inscrever para processo seletivo, convencê-lo durante a entrevista: 'O que me diz de oportunidades iguais, Deus?', perguntaria."
"Agora eu me pergunto o que é felicidade. Fico pensando no que as emoções são, de fato, se podem ser alteradas e modificadas por plaquetas no meu cérebro ou pelos pequenos êmbolos."

Rowan Coleman
Rowan Coleman
Autora bestseller do Sunday Times e do New York Times. Além de tentar acompanhar o crescimento dos filhos e as aventuras de uma família alargada, Rowan dedica-se à escrita, sendo autora de mais de uma dezena de romances.
Os seus livros já foram traduzidos em países como Alemanha, França, Itália, Polónia, Rússia, Sérvia ou Turquia. O seu romance The Memory Book foi selecionado para o Richard and Judy Book Club, e Runaway Wife foi o romance vencedor do Best Romantic Read 2012.
[Fonte: Wook]
Mora em Hertfordshire, Inglaterra, com o marido, 5 filhos e 2 cachorros.
Quando ela tem a chance, Rowan gosta de dormir, sentar-se e adora ver filmes; ela também está tentando aprender a cozinhar.
Apesar de ser disléxica, Rowan adora escrever e The Memory Book é seu décimo primeiro romance, que foi escolhido como uma seleção de clubes Richard e Judy em 2014.

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

O harém de Kadafi - Annick Cojean


Soraya torna-se uma das amazonas de Kadafi não por escolha, mas porque foi praticamente sequestrada e presa para satisfazer os desejos mundanos do ditador da Líbia. Ela e várias mulheres usadas e prisioneiras de um lunático  e maníaco personagem real que julgava-se deus. 
Uma história real, até metade do livro a escritora relata a vida de Soraya e toda a trajetória como vítima de Muamar Kadafi. Na segunda metade do livro, a escritora traça o caminho da garota vítima, encontra novos personagens, debate sobre o ditador. 
Um livro que impressiona por sabermos que trata-se de algo que aconteceu de fato, se bem que não  creio na história completa quando quem escreve não viveu de fato do lado de quem relata, nem foi vítima do mesmo destino, nem teve contato com o outro lado. Aconteceu, realmente creio, mas vamos dar um corte em tal perversidade. Assim como o livro é escrito como 50% de ficção sem ser, vamos crer em 50% do qe é exposto. 
Um livro razoável.

Não há segunda chance - Harlan Coben

Marc acorda na uti depois de alguns dias em coma. Abre os olhos para uma realidade difícil: a mulher estava morta, assassinada e a filha de seis desaparecida, sequestrada, como descobre depois. Todos vítimas de um atentado, não sabe se assalto ou do que se tratou as balas que mudaram o rumo de sua vida. Ele vai precisar de toda a força que ainda resta para descobrir os motivos,  os autores e o paradeiro da filha. Só que ele é um dos principais suspeitos... 
Essa é a trama do livro. Um policial bem eletrizante. Pra quem aprecia livros que, do início ao fim, surge pistas e novos detalhes, é uma excelente dica.

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

"O homem que não conseguia parar" - David Adam

Antes que você se pergunte se tenho TOC (transtorno obsessivo compulsivo), informo: não.  Claro, não pego diretamente em maçanetas de portas, nem na parte que se empurra os carrinhos de supermercado, gosto de trabalhar com álcool do lado (atendo público) e, a cada digital tirada, limpo bem as mãos, além de limpar sempre  a caneta destina aos clientes (sim, não uso a mesma, óbvio). Isso eu chamo de limpeza, cuidado, não TOC. Já pensaram na imensidão de germes sedentos que pairam nesses objetos?
Continuando. Não pense que esse livro de David Adam vai te ensinar como se livrar do TOC. Ele faz uma explanação do que é a doença, dá exemplos, contextua historicamente, ele mesmo tendo TOC.
Como já avisei que esse blog há spoilers, alerto que nesse livro ele dá uma desanimada  em quem quer se curar do problema. Não chega a conclusão nenhuma.
Que mais? Nada. Enche linguiça, assim como eu  aqui a falar sobre esse livro que nada trata além do elementar.

Algumas passagens:
"O toc é o quarto transtorno mental mais comum, atrá apenas do trio depressão, abuso de substâncias e ansiedade. O toc é duas vezes mais comum que o autismo e a esquizofrenia. A Organização Mundial de Saúde classificou o toc como a décima doença mais incapacitante. O impacto desse transtorno na qualidade de vida foi considerado mais grave do que o da diabetes. Mas quem sofre de toc costuma demorar uma década ou mais até procurar ajuda"

domingo, 11 de outubro de 2015

Ressurreição - Machado de Assis

Um  de  meus escritores favoritos: Machado de Assis. Quando digo que estou lendo Machado, algumas pessoas perguntam se vou fazer vestibular, se é concurso... que preconceito, povo leigo! Não  leio Machado, eu converso com Machado, ninguém escreve como ele.
Hoje reli Ressurreição, o primeiro romance escrito por ele em 1872. Ah, revi a raiva que senti de Félix, a dó da viúva Lívia, a chateação pelo Luiz, o alívio por Raquel e Moreirinha. Quem escreve melhor sobre posse, ciúmes, cólera, relacionamentos que Machado? Ele nos arrebata. 
O bon vivant Félix, que acreditava que todo romance tinha prazo de validade vencido a cada seis meses vê-se nas teias do amor quando reencontra a viúva Lívia, que também cai de amores por ele, o médico solteirão. Claro, não fosse o suscetível Félix tão melindrosamente e fantasiosamente propenso a crer no que o ego cria em sua mente. Essa é a trama principal da novela machadiana. 
Gosto de tudo do escritor, sempre recomendo, quem quer iniciar na arte da leitura (melhor antidepressivo do universo),  comece por Machado que se apaixona por ler.

"... os meus amores são todos semestrais; duram mais que as rosas, duram duas estações. Para o meu coração um ano é a eternidade. Não há ternura que vá além de seis meses; ao cabo desse tempo, o amor prepara as malas e deixa o coração como um viajante deixa o hotel; entra depois o aborrecimento - mau hóspede."

"Purgatório não é uma porta que abre para o Céu? Cada qual sabe amar a seu modo; o modo pouco importa; o essencial é que saiba amar."

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Colega de Quarto - Victor Bonini

Eric Schatz, rico herdeiro de donos de uma badalada revista nacional, mora em um apartamento de luxo. Sozinho. Ou ele acha que mora sozinho, pois começa a perceber um par de chinelas que não é seu, o microondas que se liga sozinho na cozinha, o banheiro que é  usado e não é ele que está ali... como explicar esses fenômenos? Então ele decide procurar um detetive particular para ajuda-lo. Ou talvez seja tarde demais para essa decisão.
Essa é basicamente a trama ou a sinopse que encontrará por aí. Minha opinião é que se trata de um livro fraco, que se explica de uma vez no final sem deixar pistas para que o leitor vá supondo ou se surpreenda. Gosto de autores nacionais, então sempre vou procurar conhece-los. Mas às vezes cai algo como esse nas mãos, faz parte do processo de conhecimento.
Toda leitura vale a pena. Então vão em frente.

O Vilarejo - Raphael Montes

O autor Raphael Montes constrói o livro com sete contos ligando aos sete pecados capitais (Asmosdeus-luxúria, Belzebu-gula, Mammon-ganância, Belphergor-preguiça, Satan-ira, Leviathan-inveja, Lúcifer-soberba) que se comunicam entre si. Terror, juntando o que pode haver de mais vil na alma humana à presença do demônio.
A construção dos contos se baseia nuns livros deixados por uma anciã morta, cuja  neta deseja se desfazzer do material deixado pela bisavô. 
Um vilarejo localizado em lugar nenhum, abandonado, isolado do mundo, onde as pessoas se consomem literalmente, o terror é a rotina e o ser humano é desnudado em sua realidade. A tentação é maior que a moralidade ou senso de decência. Sangue, terror e morte. Ou seja, maravilhoso.
Banquete para Anatole ou Belzebu, Felika luta mara manter todos bem alimentados, já que não há comida no vilarejo, enquanto o marido Anatole não retorna da viagem em busca de caça. Mas Anatole volta. E se surpreende: a mulher estava até mais gorda! E os filhos,?
As irmãs Vália, Velma e Vonda ou Leviathan. Vália, a mais velha está noiva do único rapaz bonito e simpático do vilarejo. Velma e Vonda são gêmeas,sempre inventam estórias com os moradores do vilarejo. Aí a irmã mais velha torna-se personagem. E percebem o que ela tem... 
O negro caolho ou Lúcifer. Um negro chega ao vilarejo e logo é visto com maus olhos pelos moradores, chegando quase a ser morto pelas mãos de Ivan, não fosse Helga salva-lo. Aliás, não apenas o salva como o acolhe, dá comida e teto, enquanto ele o ajuda nos afazeres de casa. Mas não deveria ser empregado? Pode ser, mas ela não foi benevolente? Ele não pode exigir nada em troca? Não, ela o trata bem. E como ele poderá ir em busca das filhas roubadas? Isso é demais para a boa alma de Helga...
Enfim, não irei detalhar cada um dos sete contos. É spoiler demais para um livro só. O que gostei mais foi Helga e o negro. Se bem que Ivan é um personagem fascinante... não há melhores: todos são ótimos!
Ilustrações muito boas compõem o livro.
Sou fã de Raphael Montes. Leio tudo o que ele publica e, mais uma vez, ele me surpreendeu. Fiquei mais fã ainda.

Ovelha - memória de um pastor gay - Gustavo Magnani

Evangélico, pastor, filho de uma fanática religiosa, casado um uma ex-prostituta e gay. Poderia parar por aí, mas o protagonista tem desvios e fantasias sexuais que alimenta e são mais fortes que sua fé. A palavra que mais consta no livro é cu. Duas letras juntas que falam tanta coisa nesse livro! Confesso, ri feito doida de algumas passagens, imaginando um pastor evangélico com trejeitos afeminados dizendo glória aleluia cheio de purpurina na alma. E esse dito pastor está em um hospital e escreve sua estória e suas taras ali mesmo, no leito. Pegou o vírus da aids.
Interessante no livro que ele cita trechos bíblicos falando sobre a homossexualidade e sexualidade.
Gostei da forma que foi escrita, do humor. Poderia não ter usado tantos detalhes sórdidos da sexualidade do indivíduo, mas não tira o brilho do livro. Sem falar que adoro livros polêmicos.
Proibidíssimo para menores de 25 anos.
Há erros de português na edição digital, o que me deu vontade de abandonar a leitura. Deus é escrito em letra minúscula, mamãe em maiúscula.
Leiam! Muito bom!

"O Ateneu foi, como sempre, escondido. A maneira que a obra me tocou fez com que eu fosse desatento, e Mamãe pegou-me com em mãos."

"'Isso não é de deus!', disse ao meu melhor amigo, aos doze anos,quando ele me confessou gostar de meninos. Antes de falar, titubeei. Não sabia se confessava 'eu também' ou se repreendia em nome de Jesus, o todo-poderoso.(...) Eu só pensava em Mamãe gritando 'melhor morto do que bicha!', ao pedir às irmãs que orassem por mim".

"Quando refaço o caminho até aqui, vejo como meu percurso foi cerceado pela figura de Mamãe. Grandes chances de ela ser culpada por eu estar internado, inclusive. Não me fez apenas filho, mas também pastor. Advogado, médico, administrador, cientista, jogador, empresário. Nunca tive opção. Covarde, já disse, senhor. Pelo amor que sempre tive por Mamãe, limitei-me à igreja. Lamentava sua solidão e seguia seus passos: de segunda a segunda no templo."

"Agora que o senhor sabe o que de fato sou, talvez não me perdoe. E, se simpatizava com minha figura, talvez a odeie. Eu odiaria. Nunca fui fã de vilões ou de anti-heróis, mas prestar essa alcunha a mim é denegrir a classe de tão bons personagens. Estou mais pra indigente literário: sem classificação para cair morto - e ai se o senhor pensa que por isso me considero especial."


A Cor do Leite - Nell Leyshon

Mary é uma adolescente analfabeta no ano de1831 e trabalha arduamente na lavoura e em casa junto com três irmãs. Aprende a ler quando vai trabalhar contra sua vontade em uma casa de família de um presbítero como empregada. O livro é como um diário em primeira pessoa lembrando seus últimos anos até o momento que escreve as memórias. Assim, a escrita é feita como pelas mãos de quem não tem estudo, com erros de grafia, pontuação. Mary tem os cabelos e pele brancos como o leite. O avô, idoso, dependente, é a pessoa que ela tem mais afinidade em sua casa.  
Não se trata de uma estória de uma pobre coitada, passiva, mosca morta. Mary tem opiniões, personalidade forte, trabalha muito e tem objetivos. Um deles é aprender a ler e vai às últimas consequencias para chegar a fazê-lo.
Um livro surpreendente. 
três estrelas.

"às vezes é bom ter lembranças por que elas são a história da nossa vida e sem elas não ia ter nada. mas tem vezes que a memória guarda coisas que a gente não quer nunca mais ouvir falar e não importa quanto a gente tenta tirar elas da cabeça. elas voltam."

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

A Sorte do Agora - Matthew Quick

Sem formação acadêmica em literatura, falta-me o saber necessário definir esse estilo em que o autor escreve como se fosse a sequencia de pensamento do personagem, mais ainda se esse personagem tem alguma limitação mental. Gosto dessa forma de escrita. O que mais gostei nesse estilo foi "A cor do leite" de Nell Leyshon, que ainda irei comentar.  
Em A Sorte do Agora, Bartholomew Neil, o personagem principal do livro de Quick, tem essa limitação. Foi criado sem pai, a mãe fez dele sua companhia, mesmo quando estava no auge de um câncer que a impedia de pensar claramente e chamava o filho de Richard, o Gere. Assim, Richard Gere passa a ser quase um personagem no romance, já que o livro é composto por cartas escritas para ele por Bartholomew Neil. Quando a mãe morre, recebe o auxílio de uma psicóloga contratada pelo padre McNamee, além do próprio padre, que logo se muda para a casa de Bartholomew e abandona a batina. Entra para um grupo de apoio, onde conhece mais um aloprado das ideias. Difícil adaptação viver sozinho quando cuidou e viveu com a mãe até mais de 40 anos. 
Os acontecimentos se encaixam, como uma sincronicidade, que Barth acredita piamente existir. Exemplo disso é a garota que ele observava na biblioteca, que chamava de meninatecária, ser irmã de Max, o outro aloprado da terapia. É "a sorte do agora", uma teoria que a mãe falava ao   filho.
É um livro leve, sem maiores esforços mentais (não é por conta do personagem), o final não parece óbvio, mas para mim foi desde o princípio. Mesmo cometendo spoiler nesse blog (não sei ser diferente, desculpa), não vou detalhar os papéis de cada um dos personagens do livro, menos ainda do papel de Gere.  
Mas não se preocupe: Bartholomew não morre!! ELE não. 
Duas estrelas.

Passagens:
"'Como a gente vai pagar essa porra? Elizabeth e eu estamos falidos! Este hotel deve custar dinheiro pra caralho! Que merda, heim?'
'Padre McNamee disse que Deus proverá', respondi
'Você acredita mesmo em Deus, porra?', perguntou Max.
'Sim', falei. 'Você acredita mesmo em alienígenas?'
'Sim, porra', disse Max."

"Sorrir realmente não fazia sentido se considerássemos todo o contexto. Sem dinheiro, sem um trabalho 'real' e nhuma ideia do que faríamos quando voltássemos à Filadélfia, nem de quem estaria pagando as contas, que foram integralmente quitadas, mas que continuavam chegando à casa da minha mãe. Para ser sincero, nós três éramos uma trágica confusão emocional."

"(...) Comecei a entender porque ela acreditava na Sorte do Agora. Acreditar - ou até mesmo fingir - faz a pessoa se sentir melhor com o que aconteceu, independentemente de ser verdade ou não."



Casa de praia com piscina - Herman Koch

Marc Schlosser é um médico clínico geral, tido como "médico da família", seus atendimentos são personalizados, dedicando tempo a ouvir os pacientes, por isso  tem  uma razoável clientela. Faz um bom exame, pergunta, 20 minutos por consulta, apalpa, sorri, passa remedinhos, aconselha, espera morrer. Ótimo profissional. Aparentemente. Tudo na aparência tem outra leitura. Você nunca assinaria um contrato com um banco se soubesse o que vai pela cabeça do gerente. E pela de um médico? Melhor cuidar para não ficar doente nem precisar desse tipo de profissional. Não é de hoje que tenho aversão a advogados, médicos e policiais. Quando comecei a ler esse exemplar de Koch pensei que finalmente alguém colocava o médico tal qual percebo, inominável. Aí me empolguei com o livro. Lá vem 5 estrelas, pensei. Porém, eis que surge o ator-paciente Ralph Meier e o livro muda de rumo, de ritmo, de lógica. Marc deseja a vida do ator e persiste em sua amizade, mesmo percebendo que ele tem um caráter duvidoso? Ele aceita os convites dos  pacientes porque é o que cabe no papel de um médico que quer preservar os pagantes. Mas aí o ator-paciente persiste numa amizade mais próxima.
O médico viaja em férias de verão e fica na casa do ator-paciente, mesmo a esposa sendo contrária a essa posição.Ora, tinha Judith, a esposa bonita e disponível do ator-paciente, tinha as filhas que gostavam dos filhos de lá, tinha as festas e farra do Meier... tinha mais o que? Nada, vazio. O livro é um eterno construir e desconstruir de personagens, de filhas inocentes que são longe disso, de velhos que gostam de mocinhas, de ator sem caráter com crise de consciência na hora da morte... 
E tem o erro médico que, como sabemos que não foi erro, trata-se de assassinato. E a dedução imediata do professor na defesa do médico-psicopata? Paciência, sem lógica nenhuma!
o livro decepciona. Poderia ser estupendo, mas só só estúpido.  
Qualquer leitura é válida, então leiam e me digam.
Duas estrelas.

Passagens: 
"A tarefa de um clínico geral é simples. Ele não precisa curar as pessoas, precisa apenas garantir que nenhum paciente passe por cima dele e vá diretamente aos especialistas e hospitais. Seu consultório é um posto avançado"
"Dói aqui e aqui, e às vezes tenho espasmos ali... eu me esforço para fingir interesse. Enquanto isso, rabisco em um papel. Peço que se levantem, que me acompanhem à sala de exames(...). Finjo olhar, mas estou pensando em outra coisa. Em uma montanha-russa em um parque de diversões.(...) Já pode se vestir, digo. Já vi o bastante. Vou receitar um remedinho."

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Cinderela Chinesa - Adeline Yen Mah

1Há a(o) filha(o) mais velha(o), a(o) segunda(o), terceira(o)... assim por diante. Adeline era a quinta filha, a esquecida, a hostilizada, a culpada pela morte prematura da mãe. Ou seja, a coitadinha. Sofre como o quê! A coisa da cinderela é por conta da segunda esposa do pai que  não gosta dos filhos do primeiro casamento do  marido, priorizando tudo aos dois filhos legítimos. Adeline só vê uma saída para agradar e chamar a atenção do pai: ser uma boa aluna, receber prêmios na escola. Conta apenas com o amor da tia e dos avós.
Esse é o drama do livro. Esperava mais quando li a sinopse. Razoável.

A Garota no Trem - Paula Hawkins

1Há tempos não sentia raiva do sono por não me deixar ler, por no dia seguinte a manhã me chamar às responsabilidades... e tudo por conta desse livro, um policial com muita carga psicológica, bem amarrado, bem escrito. Vontade de ler, como uma compulsão. Será normal?
Vamos ao livro.
Rachel, Anna e Megan. Três vozes que falam em primeira pessoa envolvidas num mesmo emaranhado repleto de complicações chamado mente humana ou "onde minha vida me fez parar".
Não que a trama se desenrole por conta do trem. Porém uma situação que, de cara, me fez ficar elétrica pelo livro: a personagem observa as casas que passam pela janela do trem, ela passageira, criando nome e situações para aquelas que vê quase diariamente, criando até um laço mental fictício mas concreto. Isso me pareceu tremendamente familiar.
A solidão que acompanha Rachel em seu trajeto diário é amenizada pela bebida. Alcoólatra, desempregada, morando de favor na casa de uma santa amiga, abandonada pelo marido... e como não ser depressiva?
E, acompanhando seus personagens reais-não reais da janela de seu trem, estão Jess e Jason, ou Megan e Scott, que cruzarão seu caminho de forma decisiva. Mais à frente, poucas casas adiante, passa pela janela de seu trem a casa onde viveu feliz com Tom, seu ex-marido, hoje a casa de Anna, a nova esposa odiada de seu amado Tom.
E, como se percebe, as  outras vozes do livro são Anna e Megan. Cada uma com sua caixa mental recheada de dramas psicológicos.
Vale a pena o livro. Eu mais que recomento. Muito tempo não dava cinco estrelas a um livro. Poderia dar uma constelação inteira.

"(...) ser católico devia ser divertido, poder ir ao confessionário e se livrar do peso na consciência e ouvir alguém dizendo que você está perdoado, que você está livre dos pecados, totalmente zerado"
"(...) há uma coceira no fundo do meu cérebro que não consigo coçar"
"Com a cabeça encostada na janela do vagão, vejo essas casas passarem como num filme. Ninguém mais as enxerga como eu: nem seus donos as veem deste ângulo. Duas vezes por dia, tenho a oportunidade de espiar outras vidas porum breve momento."
"Estou sóbria, de cara limpa. Há dias em que me sinto tão mal que preciso beber; há dias que me sinto tão mal  que não consigo beber. Hoje, só de pensar em álcool meu estômago já fica embrulhado."

Sal - Letícia Wierzchowski

2Cecília, antes adolescente criada do funcionário que guardava o farol na isolada ilha La Duiva, depois esposa do filho dos patrões, depois mãe de 5 filhos, para, afinal ser a guardiã solitária do dito farol. Enquanto tece seu tricô, relembra a estória, outra hora a filha ou outro filho a reconstrói, algumas em primeira, outras em segunda pessoa. Os capítulos são nomeados pelas cores que tece, uma para cada filho.
Uma das filhas, ávida por leitura, decide escrever a estoria da família Godoy, a voz que inicia o livro. Depois se intercala com outros personagens.
Fico encantada em ler a autora, porque ela escreve quase poeticamente. Puro prazer em ler.
Mas o livro tem seus buracos negros. É uma ficção e, portanto, não podemos  questionar. Mas lógica poderíamos exigir da trama. Por exemplo, como prever a chegada de um estrangeiro, ele chegar e saber o que ele faria com a família? Isso é um spoiler, eu sei, mas não resisti. Desculpem. Mas há outros furos, esses deixo para quem for ler e, quem sabe, me ajude.

Clímax - Chuck Palahniuk

2Depois de ler "clube da luta", claro que fui ávida ler mais um do autor.
E lá vai a trama: Penny, uma moça ambiciosa, estagiária num escritório de advocacia, chama a atenção do homem mais rico,bonito, charmoso Max, tudo que um personagem 50 tons poderia ter direito. E o comparativo com os tons não param por aí. Ainda não li esse 50 tons, mas, de tanto falarem, acho que nem tem mais graça lê-lo, a estória já sei toda. Voltando, Max se encanta pela pobre e desamparada Penny e começa a fazer com ela experimentos sexuais. Sim, experimentos. Brinquedinhos. Estímulos. Essas coisas. Tudo para o fabricação de objetos sexuais para o público feminino. E a estória é em torno das torturas (nem tanto torturante assim, claro), para aprimorar os ditos objetos viciantes, que se tornam febre, um vício para as mulheres. Envolvida com o tão famoso personagem, a moda e outros mundos se abrem para Penny. Diria que o livro é bem detalhista e o autor deve ter pesquisado bastante sobre o assunto.
Razoável. As passagens para apreciação de um possível leitor que poderia colocar nesse post poderia considerá-lo proibido para menores, então sem trechos.

Moça Com Brinco de Pérola - Tracy Chevalier

2A autora Tracy Chavalier do livro homônimo publicado em 2003 escreveu o que muitos de nós por vezes fazemos ao contemplarmos uma maravilhosa obra de arte: imaginou uma estória por trás da personagem. Não se sabe de quem de fato se trata a moça retratada pelo pintor, pouco se conhece da biografia dele. E a viagem da escritora foi feliz, dando a uma criada da casa do pintor, que vivia com a sogra, esposa e uma montanha de filhos, um  papel sensual, ingênuo, puro. Trabalhando para ajudar a família, a jovem chama a atenção de abastado comerciante, além de exercer um certo fascínio sobre o pintor.
Cada um tem seu olhar quando se trata de uma obra como a de Vermerr, se a autora interpretou a personagem com tais olhos, pessoalmente a vejo como uma moça bem oposta ao que ela retratou.
A estória foi levadas às telonas em 2013 (se não me engano), com todo glamour merecido.
Um bom livro. Lê-se de uma viste só, bem descritivo. Recomendo.

Paixão em Florença - W. Somerset Maugham

0Mary é viúva e não propriamente uma viúva chorosa do marido morto.O casamento já ía ladeira abaixo, o marido morre e ela herda a falta de dinheiro. Ainda bela, despertando paixões, decide passar uma temporada em Florença logo após a viuvez. Lá reencontra um amigo de seus pais, apaixonado, que a pede em  casamento, conhece Rowley, um bon vivant que, numa conversa de pé de orelha, jogando seu charme, desperta no subconsciente de Mary algo que não estaria tão inconsciente: a vazão ao desejo e o proibido. Mas não com Rowley, por mais que ele tente, com um estranho que encontra na estrada. Daí envolve-se numa intriga, que faz o rumo de seus planos para um futuro mudarem. Nem o rico conhecido apaixonado do passado, nem Rowley, nem  o estranho. O que fica é a consciência.
Empolgação na leitura, por conta do  autor, mas é um livrinho razoavelmente ruim. Não recomendo.

A Máquina de Contar Histórias - Maurício Gomyde

"A máquina de contar histórias" Mauricio Gomyde
"A máquina de contar histórias" Mauricio Gomyde
Adoro escritores novos, nacionais. Segundo livro de Gomyde que leio. Depois de  "O rosto que precede o sonho" de 2012, imaginei que o romance "A máquina de contar histórias" fosse mais maduro, mais denso, menos previsível, mais ousado. A lógica seria que esse último seria anterior ao primeiro, assim  justificaria o livro infanto juvenil que li.
Enredo: depois de perder a mulher na luta contra a leucemia, o escritor Vinícius Backer tenta reconquistar as filhas Valentina e Vida, procurando compensar a figura de pai ausente.
O que extrair de tal enredo? Pois é... o escritor vestiu a carapuça de bom moço, certinho e escreveu a trama tal e qual se desenhou na mente de quem lê essa curta resenha.
Não pretendo ler outro do escritor, porque gostei do primeiro, dei uma estrela (de cinco) pro segundo (este que tento tratar aqui). Onde chego no próximo?

Desonra - J. M. Coetzee

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Através da estória de um professor universitário, detalha poder, classes, violência, preconceito.
Laurie envolve-se com uma aluna, fato que o leva a passar uns dias visitando a filha, buscando respostas às suas necessidades e vivendo situações de tensão na realidade envolvendo a recém-liberta África do Sul da divisão pela cor da pele.
Um livro forte, mas não impressiona. Mesmo assim, uma leitura que vale a pena ser apreciado.

A Terapeuta - Gaspar Hernández

a terapeutaAo encontrar Marina C. alvejada por tiros, agonizante, o ator Héctor Amat tem um ataque de pânico e esquece o evento que envolve os instantes do acontecimento. Com isso, vai à procura da terapeuta Eugênia Llort para recuperar a memória e por conta dos ataques de pânico que adquire após o ocorrido.
O livro prometia, no início, até me empolguei, porque envolve temas que gosto. Pensei se tratar de um exemplar com pesquisa mais densa do assunto, não o senso comum, a previsibilidade de uma estória sem sal. Mas prometia. Apenas não cumpriu.
Não recomendo.

Suicidas - Raphael Montes

Alessandro ambiciona tornar-se um escritor de sucesso, porém os livros que escreve são recusados pelas editoras. Também não possui recursos financeiros para lançá-los independente. Tem um grande amigo desde a infância, Zak, um garoto mimado e rico, filho de Maria Claria e Getúlio Cavalcante, amigos de sua mãe também. Com a avó de Alessandro internada, porque enlouqueceu depois da morte do marido (não! Não é por saudade, mas assombrada porque ele poderia voltar pra bater mais nela), a mãe com diagnóstico de câncer, junta-se a mais oito jovens, entre eles o amigo Zak, para cometerem o suicídio numa roleta russa. Alessandro então escreveria o grande livro da sua vida, narrando incessantemente o que acontece no porão onde se fecharam os nove suicidas, certo que seria um grande sucesso póstumo.
No livro, temos as narrativas dele na noite e início da madrugada na roleta russa, os escritos do diário/livro encontrado em seu quarto pelos policiais após sua morte e, uma terceira narrativa, as mães dos filhos mortos sendo interrogadas, um ano depois da tragédia.
O livro surpreende e prende na leitura, porém, ao final, algumas lacunas ficam sem respostas, aqueles porquês, comos, ondes. Esclarecimentos de ligações entre fatos importantes para dar mais realismo à trama. Poderia considerá-lo muito bom não fosse esses espaços vazios sem explicações.
Somado a esses "buracos negros", os inexplicados que não foram esclarecidos, há a falta de motivos (exceto o personagem Lucas) reais para a decisão de morrer. Vagos demais, carecia mais densidade nos personagens, mais exatidão.
Dei três estrelas na avaliação porque o livro me prendeu, mas, na realidade mesmo, não vale duas. Pelo escritor, que sou uma fã ardorosa, daria tantas estrelas quanto houvesse a dá-las.

Raphael Montes
Raphael Montes

Nasceu em setembro de 1990, no Rio de Janeiro. Advogado e escritor, teve contos publicados em diversas antologias de mistério, inclusive na Playboy, na antologia "Rio Noir" e na prestigiada revista americana Ellery Queen’s Mystery Magazine.
Aos 20 anos, impressionou a crítica e público com um suspense policial finalista do Prêmio Benvirá de Literatura 2010, do Prêmio Machado de Assis 2012 da Biblioteca Nacional e do prestigiado Prêmio São Paulo de Literatura 2013. Em breve, será publicado em nova edição pela ed. Companhia das Letras Aos 24 anos, publicou Dias Perfeitos (ed. Companhia das Letras). O romance foi um fenômeno: teve os direitos de tradução vendidos para 22 países e foi escolhido como Livro do Mês na Amazon norte-americana. No exterior, o livro mereceu resenhas em jornais como The Guardian e Chicago Tribune, recebeu elogios de autores internacionais e foi considerado uma espécie de “irmãos Coen brasileiro”.
Em agosto de 2015, Raphael publicou seu terceiro livro, O Vilarejo(ed. Suma de Letras), um romance fix up de terror que fez grande sucesso entre o público jovem e mereceu comparações com Stephen King.
Em dezembro de 2016, publicou Jantar Secreto (ed. Companhia das Letras), integrando a lista de mais vendidos daquele mês e com direitos de tradução vendidos para França, República Tcheca, Espanha e Polônia.
Todos os seus livros tiveram os direitos de adaptação vendidos para o cinema e estão em produção. Atualmente, Raphael assina uma coluna semanal no Jornal O GLOBO e escreve roteiros para cinema e TV. [Fonte: https://www.raphaelmontes.com.br]

Cemitério de Pianos - José Luis Peixoto

1O livro é uma sucessão de estórias de Franciscos Lázaros. O próprio existiu, lá pras bandas de 1912, um maratonista português que faleceu numa disputa de Jogos Olímpicos em Estocolmo. O autor partiu de dados biográficos do atleta, mas garante que há muita ficção no relato. Esse dito Francisco Lázaro é filho de outro Francisco Lázaro, que está morrendo logo no início no livro, enquanto sua filha primogênita dá a luz Hermes, em outro hospital. Mas há um terceiro Francisco Lázaro, que só se percebe no decorrer da trama, quando ligamos o tio (irmão do Francisco primeiro) que não tem um olho e, portando, não é o que morre de início, mas o que não morre (putz! spoiler, desculpa!), que nasce no dia em que o pai morre na maratona.
Complicado? É, concordo, mas aí que está a graça do exemplar!
É um livro tão bem escrito que faz com que se concatene os diversos entrelaçamentos de estórias, buscando o fio que ligue a qual voz em primeira pessoa fala no momento. Mas tem se ter atenção para não confundir as bolas, ou melhor, os Franciscos. Marta, Maria, Simão e Francisco Lázaro (os três) são os personagens nominados, os demais são "minha mulher", "marido de Marta", "marido de Maria", etc...
Excelente livro. Fiquei fascinada pelo autor, vou em busca de outras obras dele, como "Nenhum Olhar" (livro que recebeu prêmios),  "Livro", "Uma casa na Escuridão"... devora-los-ei!!!
Mais que recomendo. Excelente.
Passagens:
"Nas histórias que o meu tio contou durante esses dias, percebi um pouco mais da minha própria história. O meu pai, como o seu pai antes dele, tinha passado anos a fazer portas e janelas porque não conseguia sobreviver apenas de consertar pianos. Na maior parte do tempo, o meu pai fazia portas e janelas, fazia bancos para as pessoas se sentarem, fazia mesas a desejar que as pessoas tivessem pratos de sopa para pousar nelas; mas, em todas as ilusões, escutava pianos, como se escutasse amores impossíveis. Quando acabava de consertar um piano, sozinho, sem saber uma nota, o meu pai fechava a oficina toda para, no centro da carpintaria, tocar músicas que conhecia e músicas que inventava."
"A verdade, como o silêncio, existe apenas onde não estou. O silêncio existe por trás das palavras que se animam no meu interior, que se combatem, se destroem e que, nessa luta, abrem rasgões de sangue dentro de mim. Quando penso, o silêncio existe fora daquilo que penso. Quando paro de pensar e me fixo, por exemplo, nas ruínas de uma casa, há vento que agita as pedras abandonadas desse lugar, há vento que traz sons distantes e, então, o silêncio existe nos meus pensamentos. Intocado e intocável. Quando volto aos meus pensamentos, o silêncio regressa a essa casa morta. É também aí, nessa ausência de mim, que existe a verdade."
"(...) Quando ia treinar, passava pelas ruas a correr e ninguém podia imaginar o mundo de palavras que levava comigo. Correr é estar absolutamente sozinho. Sei desde o início: na solidão, é-me impossível fugir de mim próprio. Logo após as primeiras passadas, levantam-se muros negros à minha volta. Inofensivo, o mundo afasta-se. Enquanto corro, fico parado dentro de mim
e espero. Fico finalmente à minha própria mercê."
"Tudo o que conseguiu foi sem ti, contra ti. E o tio Simão? Não podes ter esquecido todo o mal que lhe fizeste. Não o perdeste na noite que jamais poderás esquecer. Perdeste-o muito antes. também eu, a minha irmã, a Elisa, o Hermes. Tu morreste, estás morto, mas os teus erros continuam vivos. Os teus erros continuam."
"Havia muito tempo que eu conhecia a minha solidão: todos os pensamentos que tinha sobre o silêncio, palavras a perseguirem um eco que nunca alcançavam. Era na dificuldade da minha solidão: caminho negro de estátuas: que eu me edificava. Aquela manhã era feita de momentos que pertenciam a esse tempo. A serradura que cobria o chão tornava-me silencioso."
"Ainda era pequeno os rapazes da minha idade pensavam em brincadeiras, não queriam que chovesse e eu, sempre, sempre, com um peso negro no peito. Por um momento, a Maria a dizer alguma coisa engraçada, a nossa mãe contente, eu contente e, logo a seguir, ou nesse mesmo momento, a lembrar-me do peso negro: chumbo: que nunca me desaparecia do peito. A ser talvez inverno, noite, a cozinha, e a Marta a falar de algo apenas bom. O nosso pai num silêncio satisfeito. E eu, quase bem, excepto pelo peso que nunca desaparecia, que eu tinha a certeza que nunca iria desaparecer do meu peito. E nunca desapareceu, nunca desaparecerá aquele fim de tarde, a luz entre os ramos dos pessegueiros (...). Nunca me esqueço e, para lembrar-me sempre, sempre, tenho um peso negro que nunca me desaparece do peito. A culpa."