domingo, 4 de dezembro de 2016

Jantar secreto - Raphael Montes

Jantar Secreto
Raphael Montes
Editora Schwarcz / 2016
376 páginas
Literatura brasileira

Tenho sério  problema com Raphael Montes: uma espécie de vício, ao devorar a primeira página, só paro quando fecho a última folha, como uma refeição das mais apetitosas já provadas. Tietagem de fã à parte, vamos ao Jantar Secreto, que,  aliás, tem tudo a ver com o tema gastronômico.
Cinco amigos de infância lá do interior do Paraná, de uma cidade chamada Pingo D'Água, passam no vestibular e se mudam para o Rio de  Janeiro, dividindo um apartamento em Copacabana. Dante, Leitão, Hugo e Miguel.
Leitão, o obeso amigo que abandonou a faculdade logo nos primeiros anos, apaixona-se por uma prostituta Cora contratada pelos amigos para presente de aniversário dele e, para pagar os serviços prestados, deixa de pagar o aluguel do apartamento, tarefa dele. Voltar à cidade pequena Pingo é o maior pesadelo de todos. Então, para saldar a dívida, eles bolam um jantar para convidados que se proponham a pagar um valor alto e para poucos participantes, aproveitando o curso de gastronomia de Hugo, que seria o chef cozinheiro, Cora entra também no negócio. Leitão, o responsável pela parte tecnológica, altera um detalhe no convite para o jantar: seria servido carne humana, ou, como eles preferem chamar "carne de gaivota". A procura foi maior do que eles esperavam e, para honrar o compromisso, arranjam um corpo e fazem o jantar secreto para os dez canibais, digo, comensais. Porém, o sucesso é tanto que um dos convidados pagantes, Umberto, não aceita que fique apenas num único evento, traça uma trama para que seja dado continuidade ao projeto canibalesco. De dois jantares semanais, passa-se a três. Preços mais elevados. Fila de espera. A carne humana vicia.
E os corpos? De onde viriam? Logo descobrem  que Umberto mentia sobre a origem de defuntos frescos para refastelar os famintos. E a culpa? Não haveria também via em um boi, um coelho ou um porco?
Um livro que te prende, faz rir e a cada capítulo algo novo e inesperado te surpreende. Magnífico! Nunca deixarei de ler Montes, coleciono seus livros com um prazer de faminta frente a um prato saboroso.

"Deixa de ser besta… A mulher já tava morta. Depois de morto, todo bicho é igual. Você é engraçado, sabia? Se a carne vem naquele pacote, coberto no plástico transparente, você não se importa. Pega, frita e come sem nem pensar de onde veio. Agora fica aí, cheio de mi-mi-mi. Quer saber? A única diferença é que não sou hipócrita como você."

"Certa vez, num banheiro público, havia um poema:
            “Você é o que você come
            Você come o que você é.”"

"Comecei a encarar o dia seguinte como um sonho psicodélico. Aquelas pessoas só queriam comer carne humana porque precisavam viver alguma experiência que injetasse adrenalina em sua vida monótona. Cora estava certa: não dava para ser hipócrita. Eu comia carne desde criança, não comia? Nunca me importei com o sofrimento do boi, com a tortura do ganso, nunca perdi um segundo de sono em homenagem aos porcos e aos frangos que devorei ao longo de toda a minha existência. No fundo, aquelas pessoas não eram tão diferentes de mim. Finalmente, consegui dormir."

"Certa vez, num banheiro público, havia um poema:
            “A carne mais barata do mercado
            É a carne negra.”"


sábado, 3 de dezembro de 2016

A amiga genial - Elena Ferrante

A Amiga Genial / Título original: L'amica geniale: infanzia, adolescenza
Elena Ferrante
Biblioteca Azul / 2015
331 páginas
Tradução: Maurício Santana
Romance Italiano
Lenu (Elena Greco) e Lina (Raffaela).  Lenu é a voz que narra a estória, desde os oito anos de idade,  iniciando uma amizade de brincadeiras e aventuras e continua ate os dezesseis, em Nápoles, década de 50. 
Ambas tem a ânsia de aprender, estudar,  serem as melhores, ricas, escritoras.  Lina sendo a inspiração para Lenu. Vão entrando na adolescência,  os primeiros namorados, o afastamento de Lina dos estudos, impedida de continuar pela família pobre, obrigada a trabalhar na sapataria do pai, junto com o irmão.  
O livro trata da amizade de ambas e de outros personagens e as vontades que impulsionam ou não seguir em frente, apostando no aprendizado e na sorte, numa competição mútua e admiração de Lenu por Lina.
Faz parte de uma tetralogia chamada napolitana.

A autora usa o pseudônimo de Elena Ferrante para escrever os livros.

Bufo & Spallanzani - Rubem Fonseca

Bufo & Spallanzani
 Ano de publicação: 1985
Editora:  Companhia das Letras  / 24ª edição / 1991
Romance brasileiro
Rubem Fonseca foi feliz ao construir Bufo e Spallazani, lê-se como se fosse um retalho de contos remendados, idas e vindas na linha do tempo.
Guedes, o policial que é indicado para investigar o possível suicídio de Delfina Delamare, tenta desvendar o que aconteceu, depois de perceber que se tratava de um assassinato.
Gustavo Flávio, escritor com mais de 20 livros publicados, tem de construir seu livro Bufo & Spallazani, mesmo envolvido pelo assassinato de sua amante, refugia-se numa estância isolada para tentar começar o trabalho e, mesmo na bucólica estância, não consegue se desligar da partida de Delfina. Também retorna ao passado, quando nem se chamava Gustavo Flávio nem era escritor, mas um funcionário de uma companhia de seguros e foi investigar a morte de um milionário com suspeita de fraude para receber o seguro de vida. A morte desse milionário, descobriu à  época, teria sido forjada pela ingestão de um veneno  de um sapo combinado com sumo de uma planta. Mas não era apenas o milionário e sua esposa envolvidos. Foi preso como louco, num manicômio judiciário e consegue fugir com a ajuda de Minolta, a namorada que desde sempre o acompanha.
Escrito em primeira voz pelo escritor Gustavo Flávio, o romance policial se revela apenas no final da trama.
Glutão, o personagem se perde nas descrições das refeições, na saciedade de sua fome também sexual.
Assim como no passado, o manicômio é seu refúgio novamente, mas não foge. A fuga agora é na instituição.

"Escrever é uma experiência penosa, desgastante, é por isso que existem entre nós, escritores, tantos alcoólatras, rogados, fugitivos, loucos, infelizes, mortos-vivos e velhos gagás."

"Para uns e para outros, despojados ou saciados, comer é a atividade mais importante que existe. Comer, comer! Como é bom! Não sou daqueles que comem bacalhau em grossas postas assadas, isso é uma rudeza gastronômica só comparável ao steak tartar"

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

A menina má - William March

A Menina má / título original: The bad Seed
William March
Literatura norte-americana/ Ficção/suspense
Ano de publicação: 1954
Tradução: Simone Campos
Editora: Darkside

Rhoda Penmark é uma menina encantadora de oito anos, que sabe conquistar os adultos, pontual, aplicada, organizada e bem madura para a idade. Tanto que foi expulsa de um colégio por não se enquadrar nos padrões infantis. Pelo menos foi o argumento usado pelos diretores. Também é decidida, nada fica no caminho do que deseja. Qualquer obstáculo ela destrói. Literalmente, inclusive com a capacidade de matar. A mãe dela, Christine Penmark,  uma linda loira e descobre que a índole da filha não são tão inocentes e adoráveis quanto a garotinha tenta transparecer. Então decide investigar comio uma criança pode possuir os instintos e atitudes que percebe na filha. Então ela descobre a verdade sobre si mesma, o passado. Culpa, indecisão,  crise. Christine tem de decidir o que fazer com a pequena psicopata que gerou, percebendo que a hereditariedade poderia falar mais alto e os desastres seriam monumentais.
Muito bom o livro.
 "(...) A menina, quase desde bebê, tinha sido uma espécie de charada tanto para ela quanto para o marido. Era algo difícil de precisar ou identificar, mas havia uma estranha maturidade no caráter da menina que julgava perturbadora. Tanto ela como o marido haviam pensado que uma escola como a delas, uma instituição que enfatizava disciplina e as virtudes à moda antiga, seria a escola ideal para Rhoda - que eliminaria, ou pelo menos modificaria, alguns dos fatores desagradáveis do seu temperamento"
 

Quando voltará a ser como nunca foi - Joachim Meyerhoff

Quando voltará a ser como nunca foi
A loucura está do lado de dentro ou de fora?
Joachim Meyerhoff
Editora Valentina / Ebook / 2016
Literatura alemã
Tradução Karina Janini

Um menino cresce num hospício, entre os adolescentes pacientes que são internos, onde o pai é o médico responsável, diretor do  hospital e reside na casa construída dentro do prédio-hopício. E é a voz desse menino que narra em primeira pessoa estória, enquanto cada um na família tem seu papel bem detalhado: a mãe que questiona sua rotina, os irmãos em seus mundos, enquanto o menino convive com os realmente ausentes, a criança hóspede que tem seus problemas, que ele observa e entende. Talvez pela familiaridade de tê-los por perto, acostuma-se, supera os medos, sente pelos que se vão.
Um bom livro. Recomendo.

"Todos as manhãs, eu percorria a metade do meu caminho para a escola atravessando o hospital psiquiátrico, onde sempre encontrava os mesmos pacientes. Assim eu saída do jardim na frente da nossa casa por um portãozinho, via sentado, logo noprimeiro banco, um rapaz que adorava fumar cigarros em uma única tragada. Ele ficava esperando meu pai, que costumava lhe dar um dos seus Roth-Händle.(...) e ficava ali sentado, envolvido numa fumaceira, com os olhos enevoados de felicidade."

"Minha mãe sempre fora uma  pessoa exageradamente assustada, e meu pai, um homem pesado, com pendor para a letargia. A perda do filho potencializou essas características, tornando-as ainda mais nítidas. Como uma faca afiada, ela descascava a dor do seu equilíbrio que, durante anos, talvez tenha sido apenas simulado.
(...) Ja meu pai, em sua poltrona, parecia ter ficado tão pesado de sofrimento como nunca  antes. Como se sua carne tivesse se transformado em metal maciço. Nenhum guindaste no mundo seria capaz de içar da poltrona aquele homem de bronze que a vida havia quebrado"

"Cada vez mais tenho a impressão de que o passado é um lugar ainda mais inseguro e instável que o futuro. O que deixei para trás não deveria ser algo seguro, concluído, que já fora e só esperava pela frente não deve ser o chamado futuro a ser moldado? E se eu tiver de moldar meu futuro? E se de um passado permeado e moldado puder surgir algo  como um futuro em aberto? É um pensamento opressivo, mas, de vez em quando, a vida que tenho pela frente me parece um trecho feito sob medida para mim, a ser inevitavelmente percorrido, uma linha em que vou me equilibrar com cuidado até o fim."

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

O tio Sylvester - Georgette Heyer

O Tio Sylvester
Georgette Heyer
Ebook A Estrada dos Livros

Phoebe Marlow é uma jovem que escreve novelas e seus personagens se baseiam nas pessoas que conhece ou passam pela sua perceção. Como todo romance de banca, uma moça inteligente à frente de seu tempo.
Numa de suas novelas, cria um personagem baseado no duque de Salford, Sylvester. E o arrogante duque procura uma esposa, consultando sua madrinha que também é avó de Phoebe. Logo ele se interessa pela jovem que poderia ajudá-lo na criação de seu sobrinho que estava sob sua tutela depois da morte do irmão. O que não estava previsto é que o romance escrito por Phoebe fosse sucesso e todos reconhecessem o cruel personagem no duque. Daí já havia envolvimento entre os dois.
Tudo previsível, um romance sem surpresas, bobinho, para não pensar.

A ruptura rahab - Gardenia Yud

Rahab - A Ruptura
Gardencia Yud
Blaze Editorial / 2016
Uma mulher releitura da passagem bíblica escrita em Josué 2, quando a prostituta Raab salva dois espias hebreus que estavam escondidos em Jericó. Na destruição da cidade, ela foi salva pela ação que resultou na fuga de Salmon e Ehud.
Na Bíblia,  Boaz é filho de Salmon e Raab, linha direta na genealogia de Jesus. 
O romance e a vida da Raab é uma ficção em que ela é vendida pelos familiares a uma casa de prostituição aos oito anos. Achando que a culpa seria de seus cabelos ruivos,  ela os arranca, ficando calva, sendo conhecida como "a prostituta calva". Sofre o preconceito pela falta dos cabelos e pela profissão.  
Assim,  os cabelos, assim como a vida de prostituição são alvos igualmente vergonhosos.
Com o acordo que faz com Salmon, por ter salvado a vida dele e de Ehud, é poupada na destruição de Jericó,  passando a viver na tribo de Judá,  junto com o salvador Salmon. 
Uma relembrança boa dessa parte bíblica.  
Vale a pena a leitura.
"Eu descobrira o Amor no degredo dos meus. Afastada daqueles que eu considerava meu povo, eu finalmente encontraria o que buscava. Mas era preciso coragem. O amor não chega para os covardes. Nem se entrega para rasos ou tolos. Não aceita ser tocado por mãos trêmulas de medo. O Amor é bom e puro. Ele quer você."

Lucas e Nicolas - Gabriel Spits

Lucas e Nicolas - Gabriel Spits
Rio de Janeiro/ 2016 / Ebook
Editora Fabrica231

Lucas é um garoto de 14 anos que sofre bulying na escola, popular nas sombras das redes sociais. E é gay. Se apaixona pelo colega que acabou de entrar em sua turma, loiro e lindo.
Lucas se corresponde com outro gay pela internet.
O loiro bonitinho tem problemas na família. Além do que é gay.

Um dos livrinhos mais ruins que já li. Não pelo mundo gay, nada contra, cada um dá o que quer, mas a escrita, a construção, a bestialidade. Não percam seu tempo.

A besta humana - Emile Zola

A Besta Humana
Émile Zola
Editora Zahar
Tradução Jorge Bastos
Primeira publicação: 1890 
Nesse escrito abaixo, que nem considero resenha, cometo spoiler claro e desonesto. 
Então leiam o livro excepcional de Zola e não leiam o que escrevo.

Zola escreveu esse maravilhoso livro nos trilhos e estações de trens, como se eles tivessem vida e dessem sentido aos destino dos personagens.  Paixões, mortes, perdas, obsessões, inveja, ciúmes, assassinatos, culpa. Tudo nas estações de trem, nos próprios vagões puxados pela força do fogo que alimenta a máquina, que transporta pessoas, destinos, como personalidades tivesse. 
Severine casa-se com Roubaud, subchefe em uma estação de trem. Casamento arranjado pelo benfeitor de Severine. Quando Roubaud descobre que o envolvimento entre a jovem e bela esposa e o seu protetor não era uma relação tão paternal quanto deveria ser, numa crise de ciúmes, mata o ancião, a mulher como cúmplice. Mesmo cometendo o crime quase perfeito, tem como testemunha Jacques, um maquinista que tem obsessão em matar mulheres. Para se inocentar, Severine se envolve com o maquinista, nascendo um tórrido caso extraconjugal entre o a dois. Com Severine, os âmbitos de matança de jacques se amenizam, porque ela mesma, a amanta, era uma igual, capaz de degolar alguém e sentir o mesmo prazer que ele. Flore, apaixonada por Jacques, não suporta o romance dos dois, deseja descarrilar o trem que transportava os amantes indo e vindo na dança da traição. O padrasto  de Flore, Misart, também funcionário da ferrovia, envenena a esposa aos poucos para descobrir onde ela escondeu a herança do sogro. Vivem ao pé dos trilhos do trem, cuidando da cancela.  Severine confessa o crime a Jacques e ele percebe que não se trata de uma tão igual quanto pensava, e a ânsia de assassinar mulheres volta. Mas Severine deseja a morte do marido para que seja livre com o amante. 
O fim de tudo é morte, enquanto o trem imitando a vida, segue seu curso sem poder parar ou, se forçado a isso, provoca desastres, seu curso alimentado pelo carvão, pelo homem, senhor de seu destino, que não é mais humano, é uma besta, sem consciência.

"Certo dia em que Roubaud entrou lívido em casa, explicando que ao atravessar à frente de uma locomotiva sentira um dos para-choques encostar no seu braço, Séverine pensou que se ele morresse ela estaria livre. Olhou-o fixamente: por que não morria, já que ela não o amava mais e que passara a só atrapalhar todo mundo?
A partir daí o sonho de Séverine mudou. Roubaud morria num acidente e ela partia com Jacques para a América."

"Que importância tem os desconhecidos da multidão, caídos no percurso, esmagados sob as rodas? Osmortos tinham sido retirados, o sangue lavado e partia-se em frente, rumo ao futuro."

"Que importância tinham as vítimas que a máquina esmagaria no caminho? Não seguia, de um jeito ou de outro, rumo ao futuro, indiferente ao sangue derramado? Sem condutor, em meio às trevas, besta cega e surda solta no campo da morte, ela rodava, rodava, carregada de bucha de canhão, de soldados já tontos de cansaço que, bêbados, continuavam a cantar"

Frankenstein - Mary Shelley

Titulo: Frankenstein  / literatura inglesa
Autora: Mary Shelley
Editora Landmark Ltda / Ano 2016 / Edição bilingue / Ebook
Primeira publicação: março 1818

Esse conto de fadas de terror é considerado clássico da literatura mundial, para uma mente lógica, melhor nem lê-lo, já que a falta de lógica impera do  início ao fim. Não me refiro à criação de um ser pensante e vivente a partir de restos de cadáveres de humanos - se bem que também posso considerar essa falta de coerência também -, mas a todo  conjunto, desde a saída do monstrengo da sala de "parto " criada pelo cientista Victor Frankenstein, passando pelo seu aprendizado primoroso da fala e do pensar, reconhecer sentimentos, etc, até a chegada ao exato sítio onde a família de seu "papai" Victor morava. Tudo bem, é ficção e tudo se aceita. Mas exagerar nessa dose vira uma coisa surreal, conto da carochinha, conto de fadas de terror.

Erro médico - Robin Cook

Dr Jeffrey Rhodes, médico anestesista, é o profissional que fará a cesariana uma cesariana, porém a paciente entra em óbito, daí a acusação de erro médico, perseguido e condenado, cassado. Mas ele percebe que há um padrão em determinadas mortes. A vida do médico muda em apenas uma  noite, seu casamento já combalido se desfaz. Uma mente doentia e vingativa está por trás das mortes ou seria coincidência? O médico, com a ajuda da esposa de um amigo vítima do mesmo acontecimento, vão em busca de resposta. Um suspense que, para quem conhece a capacidade de Cook no estilo, deve gostar. 
O romance perde um pouco o  brilho pelo final americanizado, romanceado. 
Mas vale. Aliás, qualquer leitura vale. 
Li um exemplar adquirido por 1 euro em Portugal, li em um dia, numa viagem de trem para Coimbra. "Esqueci" o exemplar  lido no banco da estação. Fica a nostalgia de quem pegou pode ser alguém com tanta fome de leitura quanto eu. 
 

sábado, 9 de julho de 2016

Se Você Pudesse ser Minha - Sara Farizan

Duas meninas se gostam desde pequenas. Amor romântico, apaixonadas. Seria administrável, caso não fosse duas iranianas. Sarah e Nasrin. Chega uma idade que os pais de Nasrin resolvem casa-la. Não há hipótese para as duas se separarem, mas o casamento com um próspero médico não pode ser desfeito. A saída que Sarah encontra é fazer a mudança de sexo. No Irã, a homossexualidade é um erro, então pode ser aceito caso se mude cirúrgica e juridicamente de sexo. Isso até a data de casamento de Nasrin. Porém Sarah não se enxerga como homem, apenas sente atração por meninas e mais ainda pela amiga de infância Nasrin. Se não há saída... que se há de fazer?

A Amante do Oficial - Pam Jenoff


Título original: The kommandant's girl
336 páginas
2016
Editora HarperCollinsBrasil

Emma Bau é judia, recém casada com o também judeu Jacob quando a Polônia é invadida pelos alemães. Jacob foge para juntar-se à resistência anti-nazista e Emma se vê obrigada a seguir os pais, indo para o gueto na Cracóvia. Repentinamente tem a oportunidade de juntar-se aos resistentes, assim sai do gueto, indo morar com Krysia, uma suposta tia, como Ana Lopowski, irmã de um menino Lucasz, filho de rabino assassinado no gueto. E passa a trabalhar disfarçada para um alto oficial alemão, Georg Richwalder. Logo se desenvolve uma atração forte entre os dois, fato que é útil à resistência, nascendo um caso extraconjugal e de proporções aumentadas por se tratar de um nazista de alta patente.

A Mulher Silenciosa - A.S.A. Harrison


A.S.A Harrison ou Susan Harison, escritora canadense, autora de vários livros de não ficção, A Mulher Silenciosa sendo sua estreia como ficcionista,  morreu em 2013 antes de sua publicação.
O romance
A mulher silenciosa - A.S.A. Harison (original: The silent wife)
Publicado em 2013, Brasil 2014
Editora intrínseca
256 páginas

De silenciosa Jodi não tem nada. Dentro dela, o barulho é imenso. Filha do meio de três, decidiu ser psicoterapeuta e casar-se com Todd, um empreiteiro de meia idade com vontade de crescer e uma vontade ainda maior de ter amantes e trair a esposa. Jodi sabia, aceitava. Era da natureza do  homem, ou a vida era satisfeita demais para mudar a rotina, ou ela  mesma se sentia confortável com a situação, deixava o marido dar seus passeios fora do próprio território. Eles se sentiam livres, ele tinha seus amigos, seus dias de bebida, a esposa entendia. Ela tinha seus clientes, sua rotina caseira, o cachorro Freud, estava feliz. 20 anos de casamento. Até que ressurgiu Natasha, uma ninfeta que conheceu ainda criança, filha de uma amigo do marido, viúvo. Natasha tem idade para ser filha de Todd, ele a viu crescer, já que é amigo do pai desde a infância. Mas as partes baixas masculinas não tem noção de diferenças de idade. E se apaixonou pela menininha estudante universitária. E quis casar, e engravidou, e f* tudo! Todd não queria deixar Jodi, mas Natasha queria um casamento de verdade, Igreja, damas de honra e bolo dez andares. Tudo pago pelo futuro marido, já que o  pai não acata o romance dos dois. E Josi se f*. Ela não casou no papel, tem de deixar o apartamento. Que saída? A não ser....
Melhor ler para saber a solução.
Gostei. Uma leitura leve no meio dos suspenses e policiais.

A confissão - Flávio Carneiro

Flávio carneiro nasceu em Goiânia em 1962, atualmente mora em Teresópolis, é professor de literatura da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Além de escritor, é roteirista e crítico literário.
O romance:
Editora Rocco Ltda, 2006, 236 páginas.
Num sequestro, o autor do crime decide esclarecer à vítima qual a razão do ato, que nada tem a ver com resgates, dinheiro. E para se fazer entender, tem de contar a própria estória. Conta como sobrevive de furtos de livros e sua venda, pequenos bicos em bares, fala de sua fome, mas que tem o gosto por aprender, principalmente sobre comida e vinho, mas talvez a palavra certa seja apreender, porque ele descobre que pode retirar das vítimas todo o conhecimento que elas possuem. Vampirismo. Que decepção, não gosto de livros sobre o tema, mas já foi revelado o fato quando estava envolvida na confissão do sequestrador, fui em frente. Um monólogo, mais parece um cenário teatro contado na voz e um narrador.
Um romance que teria levado 4 estrelas facinho não fosse pela vampiragem.

terça-feira, 10 de maio de 2016

O homem duplicado - Jose Saramago

Tertuliano Máximo Afonso, professor secundarista de História, assiste a um filme chamado "Quem Porfia Mata Caça" por sugestão de um colega professor de Matemática para lhe distrair e sair da depressão-tédio-vazio momentâneo. Porém, na fita, encontra a si  mesmo num ator de papel coadjuvante atendente de um hotel. Tal qual olhar-se num espelho, ao tempo do filme, alguns anos atrás. O professor fica abalado, resolve investigar quem seria sua cópia, enquanto está às voltas com o relacionamento morno com a bancária Maria da Paz. Descobre que o ator que tem nome artístico Daniel Santa-Clara, de batismo Antônio Claro, casado com Helena. Encontram-se e Tertuliano desperta a curiosidade na sua cópia, ou ele seria a cópia do tal igual. Até que esse dito  tal tem desperto a sua vaidade e cobiça e quer se passar por Tertuliano para uma noite de amor com Maria da Paz. 
Para quem conhece Saramago, acostumado com seus livros sem pontuação, sem delimitação de diálogos, um ótimo livro, mesmo não sendo o melhor escrito por ele.
Foi transformado em filme em 2014. A película deixa passar muitos detalhes importantes e cria novos fatos (como sempre em filmes baseados em livros), fugindo da fidelidade ao autor. Nele, ao final, Tertuliano, que nem o nome foi preservado, em residência do Antonio Claro, ao abrir uma porta para procurar Helena, vê uma aranha gigante, uma analogia à passagem inicial, quando o ator está em uma sala e segue um ritual onde mulheres são expostas a aranhas, observadas por vários homens, tal seitas secretas. Também poderia ser um bordel, as prostitutas expondo seus corpos aos homens. Nessa cena, uma das mulheres deixa escapar uma aranha da caixa que carrega e a esmaga e Antonio Claro assiste com a mão no rosto. No meu pouco entendimento, as aranhas seriam representações de mulheres e teias de aranha podem ser observadas no decorrer do filme. Há também a interpretação que o professor seria o alter ego no ator e representaria a liberdade, já que a esposa de Antonio tenta superar o ciúme - fato quase inexistente no livro, mas com ênfase no filme, sem falar na gravidez de Helena, que não há no exemplar. 
Tentar explicar o livro com o filme ou vice versa é sem sentido. Cada um tem sua interpretação própria, eu não vi um no outro, a não ser o fato de um homem  encontrar-se duplicado numa outra pessoa.
O livro vale a pena, o filme nem tanto.

domingo, 1 de maio de 2016

Teoria geral do esquecimento - José Eduardo Agualusa

Ludo é portuguesa, mudou-se para Angola, porque acompanhou a irmã, quando esta se casou com um engenheiro africano. Porém, inicia-se a guerra da independência no país e o casal decide que voltarão a Lisboa e vão a uma despedida. Ludo decide não ir, já que desde cedo, avessa a sair, expor-se ao sol, aos olhares alheios. E o casal não retorna ao apartamento para a saída do país. E ela fecha a única entrada com tijolos, isolando-se do mundo, ela e o cachorro, temendo a invasão de bandidos que procuravam umas pérolas deixadas pelo cunhado.
E assim passa-se 30 anos, Ludo vivendo de um pequeno pomar, de pássaros que conseguia capturar, usando móveis e assoalho como combustível.
Recomendo. muito bom.

Enquanto agonizo - William Faulkner


Título original: As I lay dying
Tradução: Hélio Pólvora
Baseada na segunda edição americana, 1930
Expansão Editorial
Romance ambientado em Yaknapatawpha, condado imaginário situado no estado do Mississipi, EUA, anos 20.
Addie Bundren está morrendo, deitada em sua cama, enquanto acompanha pela janela do quarto o filho mais velho Cash, fabricar seu caixão. Seu último desejo é que seja enterrada em sua terra Jefferson, conforme verbalizou para o marido. Após sua morte, o marido, Anse, junto com os cinco filhos, pegam a estrada com uma parelha de burros para a peregrinação com o caixão e a morta dentro dele. Personagens embrutecidos, feito raízes de árvores centenárias que se vê apenas os nós na terra, sem emoções, secos, áridos, sem comunicação, onde apenas o olhar já diz sentimentos, reações, estado. O marido, personagem sem coragem para o trabalho ou enfrentar a vida, cumpre a palavra dada à esposa, mesmo que ela não tenha sido a fidelíssima e amantíssima companheira que esperava (se fosse consciente do fato, talvez não se desse ao trabalho, quem sabe). Mas sería um último sacrifício, antes de sua liberdade final? Cash, o filho mais velho, carpinteiro, mais responsável, Darl, um jovem sem coerência de pensamentos, perturbado, Jewel, o filho revoltado, bruto, Dewell Dell, a garota que leva consigo um grande segredo e o garoto Vardaman, um menino que  imagina a mãe como um peixe, acompanha o mundo com a  imaginação infantil sem lapidação.

O livro é dividido em pequenos capítulos (creio que 59), contados em primeira pessoa, cada um com seu  ponto de vista do momento da trama. 15 primeiras pessoas, inclusive um capítulo com a morta. Entre eles, o médico, vizinho, entre outros personagens que surgem no andar da estória, inclusive um capítulo com cinco palavras: "minha mãe é um peixe", em Vardaman.

Um livro magnífico, daqueles que, ao fechar da última página, fica em silêncio,  olhando o vazio, ainda com os sentimentos adormecidos, doídos pela forma de escrita, arrebatada pelo vazio e pela vida que retrata tão cruamente o autor.

"Para fazer a gente, são necessárias duas pessoas; para morrer, basta uma. Assim o mundo marcha para o fim"

"Lembro-me que, quando jovem, eu julgava a morte um fenômeno do corpo; agora sei que  não passa de função do espírito - também do espírito dos que sofrem a perda. Os niilistas dizem que a morte é o fim; os fundamentalistas, que é o princípio; quando, na realidade, não é mais que um inquilino ou uma família que sai de uma casa alugada ou de uma cidade"

"Deus haver criado as mulheres está em que o  homem não conhece seu próprio bem quando este bem aparece."

"Em quarto estranho é preciso criar em nós mesmos o vazio, para poder dormir. E antes de se ficar vazio para o sono, o que é que somos, afinal? E quando ficamos vazios para o sono, já não somos nada. E quando estamos cheios de sono nunca somos nada. Não sei o que sou. Não sei se sou ou não sou. Jewel sabe que ele é, porque não sabe que ele não sabe se é ou não é. Não pode esvaziar-se para dormir porque

terça-feira, 19 de abril de 2016

Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios - Marçal Aquino

Fotógrafo profissional, Cauby vai para uma cidade do Pará que desponta com descoberta de ouro, com o objetivo de fazer um registro fotográfico das prostitutas que são atraídas pelo garimpo. Assim conhece Lavinia, ex-prostituta, casada com o pastor Ernanes. Cai de amores pela morena bonita e desenvolvem um romance. Lavinia tem problemas psiquiátricos, como bipolaridade, surtos depressivos ou seja lá que nome que se dá ao que a doida tinha, mas nem isso nem a profissão impediu, no passado, que o pastor Ernanes, uns de anos mais velho que ela, a elegesse como esposa. Já se via, desde criança, que Lavinia  seria uma moça bonita, e chamou a atenção do padrasto alcoolatra, quando sofreu estupro e foi viver nas ruas de Vitória, se prostituindo e entregue às drogas, ate ser resgatada pelo pastor Ernanes. Paralelamente, o careca, personagem que tem sequelas de um avc, que é hóspede da pensão onde Cauby também se aloja, relata seu infortúnio amoroso com Marinês, um amor platônico que o consumiu durante praticamente a vida inteira. Chang, um china também fotógrafo que tem queda por garotos, Viktor, o jornalista frio,  o vizinho Decião, o pistoleiro Chagas, o delegado, a dona da pensão, todos personagens que compõem uma colcha de retalhos perfeita do que seria o mundo da explosão da garimpagem , também da vastidão de tipos humanos, personagens bem construidos, bem detalhados. Culpa, vingança,  loucura, amor, abnegação, ganância,  tudo é tema no livro. Recomendo.

 Passagens:
"O careca tosse — e fala do fim sem conhecimento de causa. Não tem idéia, mas fala do fim. Todos falam, é fácil. Quero saber quantos tiveram a coragem de ir até lá. De encontro ao fim. Eu tive."

"De acordo com o professor Schianberg, a vida da maioria das pessoas é medíocre, o que não as impede de enxergar tudo numa perspectiva heróica. Suportamos a existência tentando converter o banal em épico."

"Descobri que morrer não é assim tão fácil. Mesmo num lugar onde a vida pesava sempre menos que as pepitas."

"Talvez consiga me livrar da bengala no futuro. Mas é incerto. Estou condenado a coxear. Em definitivo. Antes coxear que coaxar, disse a princesa manca para o sapo."

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Jardim de mentiras - Eileen Goudge

Jardim de Mentiras - Eileen Goudge
Sylvie casa-se com Gerald Rosenthal, rico, até charmoso, bem mais velho que  ela. No livro não fala que foi "golpe do baú", "casamento por interesse", nada disso. Ela, jovem, pouco mais de vinte anos, mas não suporta os sinais físicos da idade no corpo do marido que já está bem rodadinho, por isso não resiste ao moreno alto bonito e sensual que é o jardineiro que contratam. E, claro, carne é fraca, foi com o moreno, deixando o velhinho loirinho de molho. Mas o cornudo, quer dizer, o marido despede o negão (desconfiava, claro). E Sylvie, que já tentava engravidar há anos, engravida. Grande dúvida: do loiro marido ou do moreno jardineiro? E o morenão, espermatozóide a todo vapor, é o contemplado! E agora, Sylvie? O destino dá uma mão e eis que, numa trama ardilosa, consegue trocar o bebê moreninho por um loirinho. Daí o marido não desconfia. Rose, a moreninha, vai pra família de Angie, que morre na maternidade; Rachel, vai pra casa com Sylvie. Como é de se supor, a morena é opatinho feio entre as loirinhas da família, e cresce com a avó a renegando. Sylvie cresce rica, loira e amada.
Mas não foi só aío que o destino ajudou: Rose, que amava Brian, que foi pro Vietnã lutar, perde o grande amor para justamente quem não deveria: Rachel. E Rachel, médica, comete um erro e vai ser defendida por quem? Concidências demais, porém em ficção tudo é permirtido.
Um livro razoável.

Tríptico - Karin Slaughter

Uma série de crimes acontecem em Atlanta, meninas e mulheres são mortas, estupradas ou mutiladas. Começando por Mary Alice, uma garota de 15 anos que tem John Sheley como amigo na infância, mas que, na adolescência, a relação muda e John passa a persegui-la. Não apenas a amizade dos dois que muda, o próprio John também. As drogas são apresentadas ao adolescente pelo  primo Woody, operando uma transformação no jovem tímido e retraído. Com o assassinato de Mary Alice, John vai para a prisão por 20 anos, saindo em condicional.
Com o assassinato de Aleesha Monroe, prostituta negra, seguindo o padrão do assassinato de Mary Alice e outros casos, Michael Ormewood, policial arrogante, casado com a enfermeira Gina e que tem um filho excepcional, começa a investigar o caso e tem o auxílio de Will Trent, agente especial da GBI. Além dele, Angie Polaski, policial que trabalha disfarçada em prostituta.
Um livro policial que prende a leitura, dinâmico. Porém, o que apreciei foi a capacidade da escritora em captar o senso dos pensamentos de gênero, seja num sentido sexual ou social. Apesar de, na virada do livro I para o II, a alteração radical de personalidade de um dos personagens nos querer voltar ao início para rever a construção dele, relendo algumas passagens de comportamento. Mas isso faz parte do suspense do livro.
Há uma continuidade (essa moda de trilogia, quadrilogia!) a Tríptico. Pretendo lê-lo em breve.
A referência ao título do  livro, Tríptico, dá-se na casa de Angie,a policial, observado por Trent, um quadro de três telas que, separados, tem uma imagem e, juntos, outra. Assim como os personagens do livro.  
Recomendo.

Autora:
Karin Slaughter nasceu em 1971, Atlanta, Geórgia, EUA, onde vive atualmente. Seu romance de estréia é "Cega"

sábado, 2 de abril de 2016

O conde de Monte Cristo - Alexandre Dumas

França, a monarquia e os simpatizantes de Napoleão lutam pelo poder e, com o rei no trono, os bonapartistas são perseguidos e condenados a prisão ou até a morte. Nesse contexto, tem-se Edmond Dantés, marinheiro ingênuo, jovem, prestes a comandar um importante navio que faz parte da frota de Morrel, grande comerciante. Apaixonado pela catalã Mercedes, quando desembarca só tem dois pensamentos: ver o pai idoso e casar com a amada. Mas ele não contava com a inveja de Danglars e Caderousse, o ciúmes de Fernand, a ambição do Villefort, os que tramaram um fictício envolvimento dele em uma conspiração bonapartista. E foi preso injustamente, ficando encarcerado 14 anos sem ninguém conseguir localiza-lo, mesmo com a queda do rei e a vitória do imperador. Mas Dantés consegue escapar e encontra a maioria dos qrico, instruído, torna-se o Conde de Monte Cristo, nome em homenagem à ilha onde encontrou um tesouro apontado por um padre companheiro de prisão, com outros objetivos bem maiores que aqueles de quando desembarcou no navio anos atrás: vingança. 
Clássico da literatura universal. Magnífico exemplar. Parece uma novela, que prende a cada capítulo.

"Ele só tinha o seu passado, tão curto; o seu presente, tão sombrio, e o seu futuro, tão duvidoso: dezenove anos de luz a meditar talvez numa noite eterna!  Nenhuma distração podia portanto ajuda-lo. O seu espírito enérgico, ao qual nada seduziria mais do que voar através dos tempos, era obrigado a permanecer prisioneiro como uma águia numa gaiola. Aterrava-se então com a idéia, à dasua felicidade destruída sem motivo aparente e devido a uma fatalidade inaudita."

terça-feira, 15 de março de 2016

No escuro - Elizabeth Haynes

Dois momentos da vida de Catherine são intercalados: momento presente e quatro anos antes. No decorrer da leitura, o pensamento de pular os capítulos de 2007 e 2008 e correr a história do passado completa e depois ir pro atual torna-se quase irresistível. Não pela ansiedade, mas pela chatice dos capítulos curtos, pelo pula-pula de tempos,  um recurso para segurar o suspense, porém nos deixam com impaciência e quebra muito o ritmo da leitura. Então fica a dica: se quiser ler o livro como Cortázar em "O jogo de amarelinha", quando os capítulos são pulados, sintam-se aconselhados a seguir esse instinto.
A trama é interessante, um suspense bom, que prende, como "Restos Humanos", também dela. Está na fila de leituras "A vingança da maré". Está ali, só esperando. 
A trama é a seguinte: Catherine é uma solteira convicta de 28 anos, sai muito à noite, namora(e transa) bastante, curte a vida com os amigos, até conhecer Lee, um charmoso, bonito, carismático, elegante, interessante e misterioso espécime da raça masculina. Testosterona pura. E entrega-se demais, espera demais, confia demais e, quando percebe, está com ele em sua casa, morando juntos, pretendendo casar, mas logo ela começa a perceber que o real Lee não era o doce e maravilhoso que tentava demonstrar. Por trás, um homem violento, egoísta, que mente, disfarça, invade, a vigia, prende. Leva uns sopapos e quase morre, salvando-se milagrosamente. Aí vem (vem não, se desenvolve em paralelo), quatro anos depois, Lee já na cadeia, a estória paralela com ela refazendo a vida em Londres, com transtornos emocionais traumáticos, conhece o psicólogo Stuart, vizinho do apartamento de cima, que a faz querer mudar e melhorar, mas ela já não é a Cathy de antes, é outra mulher, com sofrimento da alma impregnado em  seus dias e sua rotina.
Os relatos do TOC são bem detalhados, impressiona, sentimos a angústia da ansiedade de quem sofre o transtorno. 
Vale a pena o suspense, uma boa leitura. 

"Então assumi o controle, passei a monitorar cada minuto do meu dia, cronometrando as coisas obsessivamente, contando meus passos, planejando horários para tomar chá; aquilo me deu um propósito, me deu um motivo para colocar um pé à frente do outro a cada dia, por mais podre, sombria e solitária que eu me sentisse."

"Sempre achei que mulheres que continuavam levando adiante um relacionamento violento e abusivo só podiam ser umas idiotas. Afinal, em algum momento elas deveriam ter percebido que as coisas tinham saído errado e que, de repente, haviam passado a sentir medo do parceiro — e, sem dúvida, era este o momento de terminar a relação. Deixá-lo sem pensar duas vezes, foi o que sempre pensei. Que motivo elas teriam para continuar? E eu já vira mulheres na televisão ou em revistas dizendo coisas como “Não é tão simples assim”, e eu sempre pensava, claro que é, é simples, sim — apenas vá embora, afaste-se dele."  

sábado, 12 de março de 2016

A máquina de fazer espanhóis - Valter Hugo Mãe

Antônio Jorge da Silva, senhor silva, é um octogenário, viúvo depois de quase 50 anos de casamento com Laura, tem dois filhos. Quatro meses depois do título de viuvez, a filha Elisa o transfere para um asilo, o Lar da Feliz Idade, onde conhece outra vida, nova, mas não recebida com prazer. Além da saudade da esposa, conviver com outras pessoas, ele, que nunca foi afeito a amizades, apenas a esposa e os filhos formavam seu universo de barbeiro em Lisboa, vivido na juventude em plena época de Salazar.
O envelhecer mostrado pelas vestes de quem não se enxerga com 84 anos, em plena capacidade de raciocínio (quer dizer, na maioria das vezes), a percepção de ser internado numa instituição de idosos, aproximar-se de doenças, a esperar pela morte.
Nos primeiros 10% do livro, quando Laura, a esposa do senhor silva, morre, já percebemos que o livro nos arrebata, desperta sentimentos fortes de ruptura, solidão, depois a outra realidade de nova morada, duas mudanças radicais.
Além de senhor silva, há esteves, um fictício personagem de um poema de Fernando Pessoa, pereira, dona marta, silva da europa, américo, o espanhol que gostaria de ser português, figuras do asilo que compõe um quadro de decadência, de amizade, de descobertas. Letras minúsculas nos nomes próprios,  característica do autor.
Cada um dos personagens tem sua caricatura perfeita, construído com primor. Como o médico da instituição: "(...) fiquei sentado com o doutor bernardo, posto diante de mim como um anjinho lavado acenando-me com nuvens de algodão doce e pássaros", ou os olhos reluzentes de Anísio e sua namorada
Um livro maravilhoso. Emocionante.

"Com a morte, também o amor devia acabar, acto contínuo, o nosso coração devia esvaziar-se de qualquer sentimento que até ali nutrira pela pessoa que deixou de existir, pensamos, existe ainda, está dentro de nós, ilusão que criamos para que se torne todavia mais humilhante a perda e para que nos abata de uma vez por todas com piedade, e não é compreensível que assim aconteça, com a morte, tudo o que respeita a quem morreu devia ser erradicado, para que aos vivos o fardo não se torne desumano, esse é o limite, a desumanidade de se perder quem não se pode perder"

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Uma Curva no Tempo - Dani Atkins

Rachel sofre um acidente e nele morre um amigo. Ela carrega consigo a culpa e os sinais da tragédia. Tudo ocorreu quando, numa lanchonete em que estiveram todos juntos, um carro invadiu criando o que seria o marco em sua vida. Após cinco anos ela está sozinha em Londres e é convidada para uma festa em comemoração a uma amiga na cidade em que morava e onde sofreu o acidente. Ela passa por uma tentativa de assalto e acorda num hospital, com uma nova realidade, nova vida. Rachel não se reconhece. Ela é o que sabe ser ou o que vive no momento, bem diferente de sua vida real? Um livro surpreendente. Bom.

A Morte de Ivan Ilitch - Leon Tolstói

Ivan Ilitch se muda para um novo apartamento e o decora conforme seu zelo, depois de subir de cargo no emprego, chegando a juiz.  Lá, ele e a família viveriam felizes finalmente. Mas ele começa a perceber sintomas, cansaços, abatimentos, sintomas sentidos e (talvez) aumentados, a doença tornando-se crônica, mental e fisicamente (necessariamente nessa ordem).
Esplêndido. Todos os amantes da boa leitura devem lê-lo.

​Luxúria - Fernando Bonassi

Ele por acaso deparou com uma propaganda de piscina. E quis uma piscina. Ele, o personagem de que trata essa resenha; ele um bom empregado. Ela, esposa fiel dele. Há também o filho pacato dele, cachorro, carro, TV, casa, eletromésticos, tudo financiado, morando no bairro Novo, um lugar pra se viver onde todos tinham o mesmo propósito e modo de vida. 
A esposa do personagem que trata essa resenha encontra alívio nos antidepressivos dados pelo Estado; o filho adolescente sofre os males de sua idade; o funcionário exemplar nem é tão exemplar e fundamental assim. 
E a piscina, pesadelo de todos os moradores do Bairro Novo, o bairro planejado praquela nova classe de bons trabalhadores.
E a luxúria os engole, feito o odor que sai do buraco da piscina aberto, parecendo um lixão desativado... 
É um baita de um livro, esse Bonassi é um puta de escritor..
É o que?
Nada não. Só fiquei fã do cara. 

Pais e Filhos - Ivan Turguêniev

Eugênio Bazárov e Arcádio Kirsánov, dois amigos bem diferentes em pensamento e atitudes, o primeiro estudante de medicina, porém sem crer até na própria medicina, niilista, que possui um ponto de vista crítico em relação a tudo, que não reconhece quaisquer autoridades, tinha o amor como escravidão e sentimento para pessoas de menor personalidade, tido como inteligente e culto. Arcádio, ingênuo, mais moço que o amigo, que o admirava como uma mente superior, um leal companheiro, até gostarem na mesma mulher. 
Em folga dos estudos, vão visitar os pais. Arcádio, enquanto admirador do seu pai Nicolau Pietróvich, sente-se acolhido em terras de sua infância, Mariino, enquanto Bazákov sente-se mal na presença dos seus, na simplicidade que comove e reina em sua casa. 
O pai viúvo de Arcádio mora com a amante Fiênitchka, um filho bastardo e o irmão mais moço Páviel Pietróvitch,um aristocrata bem "engomadinho", que desenvolve ao mesmo tempo uma antipatia pelo amigo prepotente do sobrinho e um amor escondido pela amante do irmão.
Através de um conhecido sem muitos atributos, Sitnikov, conhece a rica viúva Serguêievna Odintsova, com quem travam amizade, passando dias em sua casa. Ambos se encantam com a bonita senhora. Aí a amizade já deixa dúvidas de sua força.
Adoro autores russos, foi apresentada a Turguêniev com essa obra. Boa. 

"— Um bom químico é vinte vezes mais útil que qualquer poeta — insinuou Bazárov. — Ótimo — disse Páviel Pietróvitch, parecendo adormecer e levantando levemente as sobrancelhas. — O senhor então não reconhece o valor da arte? — A arte de ganhar dinheiro ou de curar hemorróidas? — perguntou Bazárov com um sorriso irônico. — Muito bem; o senhor é espirituoso. Pelo que vejo, nega tudo. Quer dizer que acredita somente na ciência? — Já lhe disse que não acredito em coisa alguma. A ciência? Que é a ciência em geral? Existem ciências como existem artes e profissões. A ciência de um modo geral não existe. — Será também negativa sua atitude em face das demais instituições aceitas pela humanidade? "


sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

A hora da história - Thrity Umrigar

Lakshmi mora nos EUA com o marido também indiano, trabalhando em seu restaurante-loja. Ela sente falta da família, porém não sabe deles, pois o marido a proibiu de ter qualquer contato. Por uma espécie de sincronicidade (a literária não pode ser levada a sério), ela desenvolve um apego carinhoso (um chamego, paixonite) por um cliente, Bobby. Só que esse cliente que fazia refeições todas as quintas lá em seu restaurante decidiu ir embora definitivamente para a Califórnia. Ela nem sabia onde diabo era essa tal de  Califórnia, mas pirou o cabeção e decidiu se matar. Pronto, sem Bobby, só com o marido que nem dizia seu nome, nem  a olhava, melhor partir pra outro mundo. Nem deu uns amassos no bonitão do Bobby e já decide tirar a vida! Isso que é solidão! Mas é por conta dessa tentativa se suicídio (tentativa, claro, ela não morre, senão o livro nem continuaria) que ela conhece Meggie, uma negra psicóloga (ou psicóloga negra, pra não dizer que sou racista) que decide tratá-la. Mas essa afroamericada de pele escurinha (os indianos, segundo o livro, não gosta muito de pretinhos), casada com um indiano também (esse indiano aí deveria gostar de mais escurinhas), tem também suas carências e não é que a criatura decide ter um tórrido romance com  o fotógrafo Peter, um gostosão galego dos olhos azuis? Mas ela não ama o marido indiano bonitão? Ama, mas também ama outras coisas. E aí o livro vai indo.... Maggie ajudando Lakshmi, Lakshmi evoluindo, se redescobrindo, Maggie dando suas escapadas.... e aí puft! que pena, leiam o resto. 
Umrigar fala de casamento indiano, tema que ela trabalha em todos os seus romances, preconceito racial e de gênero, a vida de imigrantes nos EUA, fala também sobre perdão, traição, culpa, amor fraternal, o amor que se transforma em amizade, entre outras coisas.
Dei duas estrelas porque acho que já cansei do estilo de Umrigar escrever.  Já li tudo dela. 
E tem erros de português, não sei se proposital, já que fala pela voz de uma indiana que não conhece completamente o  inglês, ou a edição que li. Mas "poço" do verbo poder não se admite.

"Eu não tem medo de morrer. Só medo de ficar sozinha depois de morrer. Se eu suicidar eu vou pro inferno, será? Se o inferno é todo quente, lotado e barulhento como o pastor diz na TV, então eu não ligo porque vai ser igualzinho na Índia. Mas se o inferno é frio e silencioso, com um monte de neve e árvore sem folhas e pessoas que sorri com os lábios tão fininhos que nem pedaço de barbante, então eu fico com medo. Porque vai parecer muito com a vida na América." 

"Ma também sempre me dizia: Deus faz o mundo todo e todas as pessoas, mas ele ama mais a Índia. Antes eu costumava discutir: Ma, se Deus ama Índia mais que todos os outros, por que ele faz Índia tão pobre? Ma explica que é do mesmo jeito que uma mãe ama mais o filho doente. Deus ama Índia porque Índia fraca e precisa de mais proteção. Antes, eu não tenho certeza se Ma inventa ou não essa história. Agora eu sabe que o que Ma fala é cem por cento verdade."

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Tribunal das Almas - Donato Carrisi

Tribunal das Almas
Um pedido de socorro para um possível ataque cardíaco. Quando os médicos chegam no local, um senhor 
com o peito tatuado "mate-me", também é identificado como um possível serial killer procurado,
Uma estudante de arquitetura, Lara, desaparece de dentro de seu apartamento,  fechado por dentro do apartamento que morava. Esse é o desafio para Marcus, que teve amnésia pouco tempo antes, mas não perdeu  a capacidade de desvendar mistérios e o  companheiro Clemente

Uma policial que trabalha com reconhecimento fotográfico das cenas de crime visita uma ocorrência de homicídio seguido de suicídio, mas ela já acostumou à realidade de sua profissão. Sua vida pessoal de viúva que a atormenta. E tem de lidar com a morte de David como investigadora.
Além desses retalhos, há outros e outros que irão se juntar aos poucos. O leitor tem de ficar atentos para não se perder em tantos detalhes da trama.
O livro prende, tem um ritmo acelerado, que se (des)constrói o tempo todo. Repleto de reviravoltas, de acontecimentos que aparentemente não se encaixam, mas que surpreende.
Porém, é como se você fosse à cozinha fazer uma salada e junta tudo  o que encontra pela frente, mesmo sabendo que não combinaria com aromas e sabores. Muita informação, muito trama pra pouca conclusão.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

E O Que Vem Depois? - John Katzenbach


Um sexagenário descobre que tem uma doença degenerativa que o fará esquecer coisas e pessoas e ter alucinações. Mas ele viu bem quando sequestraram Jennifer, uma adolescente rebelde, na sua rua. Aliás, ele lembra de pequenos detalhes do ocorrido e isso faz com que ele tenha uma razão para continuar: descobrir onde estaria a menina. Ela, sequestrada, é usada como personagem para um reallity show à caminho da  morte, presa em um quarto por dois algozes . Uma detetive tem em suas mãos o caso do desaparecimento.
Essa é o drama que se arrasta demais, para um final previsível.
Um livro razoável.

Amanhã na batalha pensa em mim - Javier Marías

Víctor conhece Marta  de três encontros. Vai à casa dela, quando o marido vai em viagem à Londres, à noite, para um promissor encontro de corpos ardentes. Nada de paixões, amores. Apenas uma conjunção carnal. O filho de Marta demora a dormir, dois anos tem o  pequeno, nem se  lembrará da aventura materna. Com essa demora, a entrega se estende. E, no quarto, nem bem começam os carinhos, Marta morre nos braços de Victor. Depois de muito conjecturar, ele a deixa com o filho dormindo em outro quarto, mas  não sem antes providenciar algo para o pequeno comer até a volta do pai ou  da faxineira.
Esse é o ponto inicial da trama do escritor espanhol Javier Marías. A partir daí, ele desenvolve uma curiosidade em relação à família da morta, irmã, pai, marido. E arranja uma forma de se aproximar deles. Seria aconselhável revelar-se, dizer que a filha ou irmã ou esposa não morreu sozinha como pensavam?
Victor desperta também o fantasma da ex-mulher ao encontrar uma prostituta bem parecida com a mesma em umponto qualquer. Querer saber a verdade do que Celia fez da vida, não ficar no obscuro do desconhecimento, são reflexões que o livro nos deixa. Ou seja, o poder do conhecimento dos fatos, a realidade dos relacionamentos humanos, de uma sociedade que alimenta o próprio prazer, o valor da imagem de alguém que  já não pode defender-se, mas também a falta de conhecimento da realidade que vivia, estando viva... então se desenrolam mais personagens.
Interessante e nos deixa muito a pensar essa novela de Javier Marías.

"(...) até o tempo que resiste a passar acaba por passar e faz as coisas desaguarem, e basta imaginar a chegada do dia para que me veja já fora desta casa, talvez em breve esteja fora, ainda de noite(...)"

"(...) é estranho que tudo isso seja um nmomento, porque esse momento e não outro, por que não o anterior ou o seuinte, porquê este dia, este mês, esta semana, uma terça-feira de janeio ou um domingo de setembro, antipáticos meses e dias que não escolhemos, o que é que decide que pare aquilo que esteve em movimento, sem que  vontade intervenha, ou talvez sim, intervém ao pôr-se de lado, talvez seja a vontade que de repente intervenha(...)".

"É cansativo mover-se na sombra e espiar sem ser visto ou rpocurando não ser descoberto, como écansativo guardar um  segredo ou ter um mistério, que fadiga a clandestinidade e a permanente consciência de que nem todos os nossos próximos podem saber o mesmo, a um amigo oculta-se-lhe uma coisa e a outro outra diferente daquela de que o primeiro está a perder(...)"

"Fica o odor dos mortos quando nada mais fica deles. Fica quando ainda ficam os seus corpos e também depois, já fora das vistas e enterrados e desaparecidos: seja eu chumbo no interior do teu peito, pese eu  amanhã sobre a tua alma sangrenta e culpável."