Axley, ator sexagenário com crise em sua carreira, acredita que seu talento para os palcos findou-se ou nunca existiu. Com esse fim, também o combustível da paixão que dava impulso a sua vida. Decide internar-se por conta própria numa clínica psiquiátrica,onde passa 26 dias. Volta, separas-se da mulher e reencontra a filha de um casal de amigos da época de seu início de carreira. Com uma grande diferença de idade entre ambos, o personagem vê-se novamente com a vida nas mãos, abdicando e enganando-se para manter a felicidade ora encontrada. Um relato impressionante sobre solidão, amor, carências humanas, autoenganos, autossabotagens, uma luta entre existir apenas ou viver e ser dono dela e fazer o que se queira dela. Fecha-se a cortina do livro tal qual uma peça teatral, deixa-nos uma impressionante marca de uma obra belíssima, real, verdadeira, trágica.
"Quando você representa o papel de uma pessoa que está entrando em parafuso, a coisa tem organização e ordem; quando você observa a si próprio entrando em parafuso, desempenhando o papel de sua própria queda, aí a história é outra, uma história de terror e medo"
"Mais de uma vez ele ficara no canto da sala de recreação, junto com o pequeno grupo de pacientes suicidas, a ouvi-los relembrando o ardor com que haviam planejado se matar e lamentando não ter conseguido fazê-lo. Todos permaneciam imersos na grandiosidade da tentativa de suicídio e na ignomínia de haver sobrevivido. A ideia de que uma pessoa fosse capaz de fazer aquilo, controlar sua própria morte, era para todos eles uma fonte de fascínio — era o assunto natural de suas conversas, como garotos falando de esportes. Alguns diziam que no momento em que tinham tentado se matar haviam sentido algo semelhante ao barato que um psicopata deve experimentar quando mata alguém."
"Quando as pessoas pensam no tema do suicídio, elas tentam explicar o ato. Explicar e julgar. É uma coisa tão horrorosa para as pessoas que são deixadas para trás que elas precisam encontrar uma maneira de encará-la. Umas acham que é um ato de covardia. Outras acham que é um crime, um crime contra os sobreviventes. Uma outra escola de pensamento acha que é heroísmo, um ato de coragem. E tem também os puristas. Para eles, a pergunta é: foi justificado, a causa era suficiente? O ponto de vista mais clínico, que não é nem punitivo nem idealizante, é o do psicólogo, que tenta descrever o estado mental do suicida, o estado em que ele estava quando cometeu o ato.” E discorria desse modo maçante mais ou menos todas as noites, como se não fosse um paciente angustiado como os outros, e sim um conferencista convidado a esclarecer o assunto que obcecava a todos dia e noite. Uma noite Axler resolveu falar — representar, ele se deu conta, diante da maior plateia que já tivera desde que abandonara a profissão. “O suicídio é um papel que você escreve para você mesmo”, disse. “Você habita e representa esse papel. Tudo é preparado cuidadosamente — onde e como eles vão encontrar você.” E acrescentou: “Mas é uma apresentação única”."
"Quando eu trabalhava realmente mal, depois eu passava a noite em claro pensando: ‘Perdi meu talento, não consigo fazer nada’. As horas passavam, mas aí de repente, às cinco ou seis da manhã, eu entendia onde tinha errado, e mal conseguia esperar a hora de voltar ao teatro e recomeçar. E aí eu subia ao palco e não tinha erro."
"Axler tentou se lembrar das peças em que um personagem se suicida. Hedda em Hedda Gabler, Julie em Senhorita Julie, Fedra em Hipólito, Jocasta em Édipo Rei, quase todo mundo em Antígona, Willy Loman em A morte de um caixeiro-viajante, Joe Keller em Todos os meus filhos, Don Parritt em A vinda do homem do gelo, Simon Stimson em Nossa cidade, Ofélia em Hamlet, Otelo em Otelo, Cássio e Bruto em Júlio César, Goneril em Rei Lear, Antônio, Cleópatra, Enobarbo e Charmian em Antônio e Cleópatra, o avô em Acorda e canta!, Ivánov em Ivánov, Konstantin em A gaivota.(...) Deirdre em Deirdre das tristezas, Hedvig em O pato selvagem, Rebecca West em Rosmersholm, Christine e Orin em Electra toma luto, Romeu e Julieta, o Ájax de Sófocles. O suicídio é um tema que os dramaturgos encaram com reverência desde o quinto século antes de Cristo, fascinados pelos seres humanos capazes de gerar emoções que inspiram esse ato extraordinário. Axler devia impor-se a tarefa de reler essas peças. Isso mesmo, tudo o que era terrível precisava ser encarado. Ninguém deveria dizer depois que ele não havia pensado bem antes de agir."