Pego em empréstimo uma resenha excelente feita do livro "Terra Sonâmbula", um livro que nenhum amante da leitura pode deixar de devorar, pela poesia, linguagem, sensibilidade da obra.
"A narrativa se desenvolve em duas instâncias. Em primeira instância, em terceira pessoa, têm-se a história de dois sobrevivente da guerra, (Tuahir e o garoto Muindinga) que acabam, por acaso, encontrando uma série de cadernos, espécie de diário que rememora para os sobreviventes-leitores os dias passados durante a guerra. Assim, a história da guerra é reconstruída a partir da narrativa de Kindzu, dono e escritor dos cadernos encontrados, numa segunda instância narrativa (em primeira pessoa) se desenvolvendo dentro da outra e primeira narrativa.
Enquanto Muidinga e Tuahir lutando pela sobrevivência vivem a desolação da terra destruída, após a guerra; o relato de Kindzu vai revelando aos leitores (personagens e nós) os enredos que levaram ao desfecho conhecido de toda guerra. A história de Tuahir e Muindinga é o epílogo, não vivido e vivente de Kindzu.
Com uma trama e estrutura elaboradíssima, o romance de Mia, por isso apenas, já mereceria respeito e deferência. Não obstante, ele não se resume apenas nessa qualidade. Dono de uma linguagem já tantas vezes referenciada, e com razão, muito reverenciada, a história é contada sob a ótica do maravilhoso e do poético.
Terra Sonâmbula não sendo um relato de viagem é essencialmente um livro sobre viagem; viagem aqui entendida enquanto um vocábulo plural, patente de múltiplos significados, e desdobrável e reconhecível em todos os grandes temas abordados pelo romance. O que fica da liberdade almejada, da luta pela sobrevivência, da trajetória de iluminação e auto-conhecimento, senão a própria viagem. Viagem essa, em que o que mais mais importa não é nem aonde se vai chegar, mas a própria jornada em si, e a experiência reveladora pelos mistérios da palavra. Mesmo porque, ”o que faz andar a estrada? É o sonho. Enquanto a gente sonhar a estrada permanecerá viva. É para isso que servem os caminhos, para nos fazerem parentes do futuro.” E para aqueles que quiserem junto com Tuahir, Muindinga e Kindzu caminhar, preparem-se para o encontro com uma miríade de personagens, que por essa mesma estrada caminham. Surendra, Virgínia, Farida, Siqueleto. E só pra terminar, uma última coisa lhes confesso. “Eu sei que é verdade: não somos nós que estamos a andar. É a estrada."
Enquanto Muidinga e Tuahir lutando pela sobrevivência vivem a desolação da terra destruída, após a guerra; o relato de Kindzu vai revelando aos leitores (personagens e nós) os enredos que levaram ao desfecho conhecido de toda guerra. A história de Tuahir e Muindinga é o epílogo, não vivido e vivente de Kindzu.
Com uma trama e estrutura elaboradíssima, o romance de Mia, por isso apenas, já mereceria respeito e deferência. Não obstante, ele não se resume apenas nessa qualidade. Dono de uma linguagem já tantas vezes referenciada, e com razão, muito reverenciada, a história é contada sob a ótica do maravilhoso e do poético.
Terra Sonâmbula não sendo um relato de viagem é essencialmente um livro sobre viagem; viagem aqui entendida enquanto um vocábulo plural, patente de múltiplos significados, e desdobrável e reconhecível em todos os grandes temas abordados pelo romance. O que fica da liberdade almejada, da luta pela sobrevivência, da trajetória de iluminação e auto-conhecimento, senão a própria viagem. Viagem essa, em que o que mais mais importa não é nem aonde se vai chegar, mas a própria jornada em si, e a experiência reveladora pelos mistérios da palavra. Mesmo porque, ”o que faz andar a estrada? É o sonho. Enquanto a gente sonhar a estrada permanecerá viva. É para isso que servem os caminhos, para nos fazerem parentes do futuro.” E para aqueles que quiserem junto com Tuahir, Muindinga e Kindzu caminhar, preparem-se para o encontro com uma miríade de personagens, que por essa mesma estrada caminham. Surendra, Virgínia, Farida, Siqueleto. E só pra terminar, uma última coisa lhes confesso. “Eu sei que é verdade: não somos nós que estamos a andar. É a estrada."
Trechos:
"Seu conceito era que a morte nos apanha deitados sobre a moleza de uma esteira. Leito dele era o puro chão, lugar onde a chuva também gosta de deitar. Nós simplesmente lhe encostávamos na parede da casa. Ali ficava até de manhã. Lhe encontrávamos coberto de formigas. Parece que os insectos gostavam do suor docicado do velho Taímo. Ele nem sentia o corrupio do formigueiro em sua pele."
"Chamou minha mãe e, tocando sua barriga redonda como lua cheia, disse:
- Esta criança há-de ser chamada de Vinticinco de Junho.
Vinticinco de Junho era nome demasiado. Afinal, o menino ficou sendo só Junho. Ou de maneira mais mindinha: Junhito. Minha mãe não mais teve filhos. Junhito foi o último habitante daquele ventre.
O tempo passeava com mansas lentidões quando chegou a guerra. Meu pai dizia que era confusão vinda de fora, trazida por aqueles que tinham perdido seus privilégios.
No princípio, só escutávamos as vagas novidades, acontecidas no longe. Depois, os tiroteios foram chegando mais perto e o sangue foi enchendo nossos
medos. A guerra é uma cobra que usa os nossos próprios dentes para nos morder. Seu veneno circulava agora em todos os rios da nossa alma. De dia já não saímos, de noite não sonhávamos. O sonho é o olho da vida. Nós estávamos cegos."
- Esta criança há-de ser chamada de Vinticinco de Junho.
Vinticinco de Junho era nome demasiado. Afinal, o menino ficou sendo só Junho. Ou de maneira mais mindinha: Junhito. Minha mãe não mais teve filhos. Junhito foi o último habitante daquele ventre.
O tempo passeava com mansas lentidões quando chegou a guerra. Meu pai dizia que era confusão vinda de fora, trazida por aqueles que tinham perdido seus privilégios.
No princípio, só escutávamos as vagas novidades, acontecidas no longe. Depois, os tiroteios foram chegando mais perto e o sangue foi enchendo nossos
medos. A guerra é uma cobra que usa os nossos próprios dentes para nos morder. Seu veneno circulava agora em todos os rios da nossa alma. De dia já não saímos, de noite não sonhávamos. O sonho é o olho da vida. Nós estávamos cegos."
"A estrada não traz ninguém. Enquanto a guerra não terminasse era mesmo melhor que nenhuma pessoa estradeasse por ali. O velho sempre repetia:
- Alguma coisa, algum dia, há-de acontecer. Mas não aqui, emendava baixinho.
De facto, a única coisa que acontece é a consecutiva mudança da paisagem. Mas só Muidinga vê essas mudanças. Tuahir diz que são miragens, frutos do desejo de seu companheiro. Quem sabe essas visões eram resultado de tanto se confinarem ao mesmo refúgio. Por isso ele queria uma vez mais partir, tentar descobrir nem sabia o quê, uma réstia de esperança, uma saída daquele cerco."
- Alguma coisa, algum dia, há-de acontecer. Mas não aqui, emendava baixinho.
De facto, a única coisa que acontece é a consecutiva mudança da paisagem. Mas só Muidinga vê essas mudanças. Tuahir diz que são miragens, frutos do desejo de seu companheiro. Quem sabe essas visões eram resultado de tanto se confinarem ao mesmo refúgio. Por isso ele queria uma vez mais partir, tentar descobrir nem sabia o quê, uma réstia de esperança, uma saída daquele cerco."
"Nome que dera ao rio: Mãe-água. Porque o rio tinha vocação para se tornar doce, arrastada criatura. Nunca subiria em fúrias, nunca se deixaria apagar no chão. Suas águas serviriam de fronteira para a guerra. Homem ou barco carregando arma iriam ao fundo, sem regresso. A morte ficaria confinada ao outro lado. O rio limparia a terra, cariciando suas feridas."