terça-feira, 29 de setembro de 2015

A Mãe - Pearl. S. Buck

lOs personagens do livro são referenciados pelos papéis, como mãe, velha mãe, mulher do filho, filho mais velho, filho mais novo, prima, alcoviteira... apenas Li, o marido, tem sua referência em nome.
A rotina que abriga o universo da mãe é prazerosa, apesar de dura, repleta de conflitos e privações, conformada em cuidar da sogra idosa e dos filhos. O marido, insatisfeito por ser provedor, pelo trabalho árduo em terras arrendadas, sai de casa, deixando para a mãe o seu papel, além dos que ela já possuía. Numa aldeia pequena, inventa mentiras que o marido achou trabalho em outros sítios, forja cartas que seriam enviadas por ele, cria uma realidade fantasiosa para que os demais não a percebam como uma mulher abandonada. Na fantasia da vida construída, não resiste à sedução do capataz do dono das terras, retira o fruto dessa união, tornando-se mais fria, sem saúde. A culpa que sente, das mentiras, do aborto, é usada para justificar os sofrimentos que passa, como castigos,  suportar a esposa que arranja para o filho mais velho, o destino do filho mais novo, a cegueira da filha e seu destino trágico. Logo se vê no papel da sogra que outrora foi cuidadora, velha, dependente, cedendo lugar aos mais moços, a repetição de uma estória, estando do lado contrário ao que um dia percebeu pertencer.
O livro emociona, traz consigo a árdua vida de privações de trabalhadores que vivem da agricultura, numa cultura de servidão, de julgamentos, crenças e desesperanças. Muito bom.
Trechos:
"Agora, olhando para trás, a mãe sorria e ouvia a voz da sogra:
- Tranquiliza o teu coração, boa filha, eu estou aqui para vigiar a porta!
Sim, teria saudades daquela velha alma quando ela morresse. Mas de que servia ter saudades? A vida vai e vem na hora marcada, e contra essa data nada se pode fazer.
Assim, a mãe seguia o seu caminho tranquilamente."
"Ao dizer isto, meteu-se pelos campos, seguindo a rapariga que corria à sua frente. À medida que caminhava sentia-se invadida pela doçura do dia. Por ter de trabalhar todos os dias tão arduamente e por viver sempre naquele vale, nem pensava em erguer a cabeça e observar o mundo que a rodeava. Só pensava nos campos e na casa. Mas agora, ao caminhar com a cabeça levantada, via os salgueiros cobertos de folhas tenras e de um verde brilhante, as flores brancas que tinham desabrochado nas pereiras e que o vento soprava; aqui e ali o vermelho vivo de uma romãzeira flamejava por entre as folhas novas. Até o vento era muito quente, chegando às lufadas, e partindo do mesmo modo; a mulher perguntava-se o que seria mais doce: se o silêncio morno, quando o vento amainava, deixando vir o cheiro da terra dos campos arados, ou a brisa cheia de aromas. Ao caminhar assim por entre o silêncio e as brisas, o seu corpo forte e cheio de vida fremente sentiu de novo um imenso desejo do seu homem."
"Desde que casara, tinha dado à luz em quase todas as Primaveras. Mas nesta tal não se passara. Parecia-Lhe natural estar grávida, um acontecimento que  pensava repetir-se uma vez após outra. Agora notava que isso era uma alegria que não tinha sabido avaliar até ao momento; e a solidão esmagou-a dolorosamente. Os seios doeram-Lhe ao pensar que, a menos que o marido regressasse, nunca mais teria filhos na Primavera. Subitamente, o desejo percorreu-Lhe o corpo como um grito: Por favor, regressa! Vem para casa! Sim, parecia-Lhe ouvir a sua voz gritar estas palavras e estacou, receosa de as ter pronunciado em voz alta diante da rapariguita. Mas não, não tinha gritado, era apenas o barulho do vento e o cantar vivo de um melro numa romãzeira."
"De início, as lágrimas vieram devagar e amargas, depois correram mais depressa, e então apoiou a cabeça no túmulo e chorou, como choram as mulheres quando os seus corações estão tão cheios do desgosto das suas vidas, e a amargura brota e transborda de tal modo, que em nada mais pensam, senão em aliviar a dor que Lhes esmaga a existência. O carpir daquele pranto, levado pela brisa da Primavera, chegou à aldeia e, ao ouvi-lo, as mães e as esposas entreolhavam-se e diziam baixinho: Deixem-na chorar, pobre alma, e aliviar o seu pesar. Durante estes meses de viuvez ela não o tem feito. Digam aos filhos que a deixem aliviar-se. E deixaram-na chorar."
"Por vezes é difícil dizer se a pobreza e a maldade são a mesma coisa, e era possível que aquela vestimenta esfarrapada Lhe conferisse aquele ar tão desagradável. E era difícil dizer não" quando tudo já estava assente."