terça-feira, 29 de setembro de 2015

Zorba, o Grego - Nikos Kazantzakis

lA amizade entre um rústico personagem que percebe a realidade ao seu redor com olhos quase infantis e um estudioso, amante dos livros, que reflete a tudo com apreço intelectual. Patrão e empregado. A forma expansiva, a liberdade e a loucura de Zorba encanta e faz eco no cretense que viveu nas teorias literárias, ao contrário do amigo.
A música, a paixão mundana pelas mulheres presentes em Zorba refletem a liberdade e o cunho pessoal da própria vida. Se uma alegria imensa o alcança, dança, mesmo sexagenário, esquecendo dores naturais à idade ou toca seu saturi. Encantar-se com pequenas coisas ou ter sonhos grandes, apostando que eles darão certo, mesmo sem perspectivas lógicas que irão acontecer.
Um livro encantador, de um sabor humano que nos deixa leve e aéreo.
Passagens:
"Como é amargo separar-se lentamente dos seres amados! Mais vale cortar de uma só vez, e reencontrar a solidão, estado natural do homem."
"A alma humana, entranhada na carne, está ainda em estado bruto, imperfeita. Não pode, com suas faculdades insuficientemente desenvolvidas, apresentar um pressentimento claro e seguro. Fosse ela capaz disso, e como teria sido diferente essa separação."
"– Sou homem, quero dizer, sou um cego. Eu também caí nesse poço, de cabeçapara baixo como todo mundo. Casei-me. Mas não tive sorte. Virei chefe de família. Construí uma casa. Tive filhos. Amolações. Mas, bendito seja o santuri! (...) Ah! Meu amigo, vê-se bem que você nunca tocou um instrumento! Que idéia é essa? Em casa você tem amolações, a mulher, as crianças. Que é que vai se comer? Com quer roupa a gente vai se vestir? Que é que vai ser de nós? O inferno, em suma! Nada disso; para o santuri, é preciso estar embalado, é preciso estar puro. Se minha mulher diz uma palavra a mais, como quer você que eu toque o santuri? Se as crianças querem comer e começam a chorar, lá se vai toda a vontade. Para se tocar santuri, a gente tem que se voltar todo para ele, e para nada mais, compreende?
Eu compreendia é que Zorba era o homem que eu buscava sem encontrar. Um coração vivo, uma boca voraz, uma grande alma bruta. O sentido das palavras amor, arte, beleza, pureza e paixão – esse trabalhador rude esclarecia para mim com as palavras mais singelas do homem. Olhava para essas mãos que sabiam manejar a picareta e o santuri – calejadas e esburacadas, deformadas e nervosas. Com precaução e ternura, como se estivessem despindo uma mulher, elas abriram a sacola e de lá tiraram um velho santuri polido pelos anos, com muitas cordas, guarnecido de cobre e marfim, com uma borla de seda vermelha. Os dedos grossos o acariciavam por inteiro, apaixonadamente, como se fosse uma mulher. Depois, guardaram de novo o instrumento como se cobrissem o corpo amado para que não sentisse frio."
"As coisas às quais estamos acostumados, e diante das quais passamos indiferentes, se erguem para Zorba como enigmas indecifráveis. Ele vê passar uma mulher e pára espantado: 'Que mistério é esse?' Pergunta. O que é uma mulher, e por que ela nos faz dançar a cabeça? Diga-me o que é isso? E se interroga com igual estupor diante de um homem, de uma árvore florida, de um copo de água fresca. Zorba vê cada dia às coisas como se fosse pela primeira vez."
"Guarde as distâncias, patrão, não dê demais aos homens. Não vá lhes dizer que todos são iguais e todos têm os mesmos direitos. Na mesma hora eles pisaram no seu direito, roubarão seu pão e lhe deixarão morrer de fome. Guarde as distâncias, patrão, pelo bem que lhe quero!
- Mas você não crê em nada, afinal? – disse-lhe exasperado.
- Não! Eu não creio em nada, quantas vezes quer que repita? Eu não creio em nada, nem em ninguém; só em Zorba. Mas não porque Zorba seja melhor que ninguém, não. Em absoluto. Ele é também uma fera. Mas eu acredito em Zorba porque ele é o único que tenho em meu poder, o único que conheço; todos os outros são fantasmas. É com meus olhos que enxergo, com minhas orelhas que ouço, com minhas tripas que faço a digestão. Todos os outros para mim são
fantasmas. Quando morrer eu, morre tudo. O mundo zorbesco inteirinho ruirá totalmente."
"Esse homem, pensei, nunca foi à escola e seu cérebro não foi desarrumado. Viu de tudo, seu espírito abriu-se e seu coração alargou-se, sem perder a audácia primitiva. Todos os problemas complicados, insolúveis para nós, ele os resolve com um golpe de espada, como seu compatriota, Alexandre o Grande. É difícil que ele tombe sobre um lado, pois se apóia inteiramente na terra, dos pés a cabeça. Os selvagens da África adoram a serpente porque todo o seu corpo toca na terra e conhece, assim, os segredos do mundo. Ela os conhece com seu ventre, com sua cauda, com sua cabeça. Ela a toca, mistura-se, faz-se uma só, como a mãe terra. O mesmo ocorre com Zorba. Nós, as pessoas instruídas, não somos senão passarinhos bobocas do ar."
"... quanto mais eu fico velho, mais eu fico selvagem! E não me diga que a idade adoça o homem e acalma o seu ardor! Nem vendo a morte ele estica o pescoço dizendo: 'Corte-me a cabeça, faz favor, para que eu vá para o céu!' eu, quanto mais passa o tempo, mais fico rebelde. Não desço a bandeira, eu quero conquistar o mundo!"
"Sentia de novo como a felicidade é uma coisa simples e frugal: um copo de vinho, castanhas, um fogareiro miserável, o barulho do mar. Nada mais. E para ver que tudo isso é felicidade, basta também um coração simples e frugal."
"Exatamente como os primeiros homens que se despojam das suas peles de macaco, ou como os grandes filósofos, os problemas fundamentais os dominam. Ele os sente como necessidades urgentes e imediatas. Como a criança, vê todas as coisas pela primeira vez. Espanta-se e interroga sem cessar. Tudo lhe parece milagroso e, cada manhã, quando abre os olhos e vê as árvores, o mar, as pedras, um pássaro, fica de boca aberta.
Que prodígio é este? Grita ele. Que mistérios são estes que se chamam: árvore, mar, pedra, pássaro?"
"...que mistério atroz é esse, a vida? Os homens encontram-se e se separam como folhas que o vento leva; em vão o olhar se esforça para reter a face, o corpo, os gestos do ser amado; em alguns anos não nos lembraremos mais se seus olhos eram azuis ou pretos. Devia ser de bronze, devia ser de aço a alma humana, dizia comigo, e não de vento!"