Escrito em primeira pessoa com voz de Maria Dolz, funcionária de editora, que tomava café antes do trabalho na mesma cafeteria que Manoel e Luisa Desverne. Chamava-os "o casal perfeito", sem nunca ter contato com eles, rotina diária por um ano ou mais. Admirava a sintonia entre os dois, os olhares cúmplices e o entrosamento, sabia também dos dois filhos pequenos. Um dia Manoel foi assassinado por um flanelinha em suposto acesso de loucura. Quando a viúva voltou a frequentar o mesmo local do café, decidiu dar as condolência e assim entrou em contato com seu mundo e, particularmente, o amigo Javier Díaz-Varela, por quem se apaixonou e teve um romance. Javier, por sua vez, apaixonado por Lusia, a recém-viúva. Desse enlace descobriu mais detalhes da vida do casal separado pela tragédia e dele mesmo. Verdades e artimanhas humanas de egoísmo, sobre o amor "de passagem", sem compromissos,
Maria desenvolve a trama como um monólogo incessante, cortado apelas pelos breves diálogos do romance, que deixa claro reações, percepções da narradora, o amor como tema central, amor deixado pelos se foram - a saudade -, o amor parcimonioso, platônico, aquele do "até que a morte os separe" - de fato!
No decorrer da obra, faz referências à novela de Balzac, “O Coronel Chabert”, que vem atrelada, no final do exemplar, "Os três Mosqueteiros, De Dumas.
Um bom livro. Boa leitura!
"Quando alguém morre, pensamos que já ficou tarde para qualquer coisa, para tudo - ainda mais esperá-lo -, e nos limitamos a dar baixa nessa pessoa. Assim também com nossos achegados, embora nos custe muito mais e os choremos, e sua imagem nos acompanha na mente quando caminhamos pelas ruas ou em casa, e acreditamos por muito tempo que não vamos nos acostumar. Mas desde o início sabemos - desde que morrem - que já não devemos contar com eles, nem para a mais ínfima das coisas, para um telefonema trivial ou uma pergunta boba. (...) Na realidade, é incompreensível, porque supõe ter certezas, e isso vai de encontro à nossa natureza: a certeza de que alguém não vai mais vir, nem falar, nem dar um passo, nunca mais - nem para se aproximar nem para se afastar -, nem olhar para nós, nem desviar a vista. Não sei como resistimos a isso, nem como nos recuperamos. Não sei como por vezes nos esquecemos, quando o tempo já passou e nos afastou deles, que ficaram parados."
"(...) é menos grave alguém morto do que alguém que está morrendo, o que não tem muito sentido, não acha? O irremediável e mais doloroso é que tenha morrido; e o fato de que tal transe tenha acabado não significa que a pessoa não tenha passado por ele. Como não ter em mente esse transe, se foi o último que compartilhou conosco, que continuamos vivos. O que seguiu a esse seu momento está fora do nosso alcance, mas, em compensação, quando ocorreu ainda estávamos todos aqui, na mesma dimensão, ele e nós, respirando o mesmo ar. Ainda coincidíamos no tempo, ou no mundo. Não sei, não sei explicar. (...) Além do mais, nada acaba totalmente, estão aí os sonhos, os mortos parecem vivos e nossos vivos às vezes morrem. "
"É outro dos inconvenientes de sofrer uma desgraça: para quem a sofre, os efeitos duram muito mais do que dura a paciência dos que se mostram dispostos a escutá-lo e acompanhá-lo, a incondicionalidade nunca é muito longa se tingida de monotonia. E assim, mais dia menos dia, a pessoa triste fica sozinha quando ainda não terminou seu luto ou já não lhe consentem falar mais do que ainda é seu único mundo, porque esse mundo de angústia resulta insuportável e afugenta. Ela se dá conta de que para os outros qualquer desgraça tem data de caducidade social, de que ninguém é feito para a contemplação do pesar, de que esse espetáculo só é tolerável durante uma breve temporada, enquanto nele ainda há comoção e padecimento e certa possibilidade de protagonismo para os que olham e assistem, que se sentem imprescindíveis, salvadores, úteis. Mas, ao verificar que nada muda e que a pessoa afetada não avança nem emerge, sentem-se rebaixados e supérfluos, consideram isso quase uma ofensa e se afastam: 'Será que não lhe basto? Como é que não sai do poço, se me tem a seu lado? Por que se apequena em sua dor, se já passou algum tempo e eu lhe dei distração e consolo? Se não pode levantar a cabeça, que afunde ou que desapareça'. E então o abatido faz esta última coisa, se retrai, se ausenta, se esconde."
"A gente sabe que tudo continuará sem nós, que nada para porque um desaparece. Mas esse depois não nos diz respeito. O crucial é que a gente para e, em consequência, tudo se detém, o mundo é definitivamente como é no momento do término de quem termina, ainda que não seja assim de fato. Mas esse ‘de fato’ já não importa. É o único instante em que não há mais futuro, em que o presente se apresenta a nós como inalterável e eterno, porque já não assistiremos a nenhum fato e a nenhuma mudança."
"Quando alguém está enamorado ou, mais precisamente, quando uma mulher está e além disso é no começo e o enamoramento ainda possui o atrativo da revelação, em geral somos capazes de nos interessar por qualquer assunto que interesse ou do qual nos fale quem amamos. Não só de fingir interesse para agradá-lo ou para conquistá-lo ou para marcar nossa frágil posição, mas também para prestar verdadeira atenção e nos deixar contagiar de verdade pelo que quer que ele sinta e transmita, entusiasmo, aversão, simpatia, temor, preocupação ou até obsessão. "
"Muitas pessoas nos agradam, nos divertem, nos encantam, nos inspiram afeto e até nos enternecem, ou gostamos delas, elas nos arrebatam, chegam inclusive a nos enlouquecer momentaneamente, desfrutamos do seu corpo ou da sua companhia ou de ambas as coisas, como é o meu caso com você e foi outras vezes com outras, umas poucas. Algumas até se tornam imprescindíveis, a força do costume é imensa e acaba suprindo quase tudo, inclusive suplantando tudo. Pode suplantar o amor, por exemplo; mas não o enamoramento, convém distinguir entre ambos, embora se confundam não são a mesma coisa..."