terça-feira, 29 de setembro de 2015

Em Defesa de Jacob - William Landay

lAndy Barber é um conceituado promotor de justiça da cidade de Newton, Massachusetts, acostumado a crimes e investigações, condenações e violências. Quando um garoto da idade de seu filho  Jacob é assassinado, assume seu cargo jurídico no caso, sem saber que seria logo afastado pelo argumento de interesses pessoais, já que, para sua surpresa, o filho adolescente seria o principal suspeito no homicídio. Acreditar na inocência de Jacob a todo custo, por mais que as provas levassem em sentido oposto, saber controlar as emoções da família e enfrentar todo o preconceito da cidade, numa condenação prévia, reflexões e autoanálises, as divagações pessoais, pragmáticas e acostumadas às leis de um advogado na meia idade que se vê do outro lado no tribunal.
Um livro que mereceu 5 estrelas de 5, não apenas pela forma com que foi escrito, alternando um interrogatório  no presente, onde o leitor nem faz ideia de que se trata, e a investigação e julgamento do filho, no passado. Escrito em primeira pessoa, somos transportados ao mundo jurídico de forma magnânima, num desfecho surpreendente. O escritor nos leva de um inocente adolescente vítima de uma acusação injusta a um cruel personagem que poderia ser capaz de cometer um crime brutal.
Vale a pena devorá-lo - não literalmente, foi o que fiz.
http://www.youtube.com/watch?v=eLY0U9Q95Go
Trechos:
"A violência realmente corria na minha família. Era possível segui-la como uma trilha através de três gerações. Provavelmente, havia mais. Provavelmente, a trilha vermelha corria até Caim, mas eu nunca tive desejo algum de rastreá-la. Algumas histórias lúgubres, a maioria impossível de verificar, e algumas fotografias chegaram até mim. Quando era criança, queria esquecer completamente tais histórias. Eu costumava me perguntar como seria se fosse acometido por uma amnésia mágica que apagasse completamente minha mente e deixasse somente um corpo e uma espécie de eu vazio, só potencial, só argila a ser moldada."

"Minha infância terminou naquele verão. Aprendi a palavra homicídio. Mas não basta que lhe ensinem uma palavra importante como esta. É preciso viver com ela, carregá-la por aí com você. É preciso andar ao redor dela diversas vezes, observá-la de diferentes ângulos, em momentos diferentes do dia, sob uma luz diferente, até você compreender, até que ela penetre em você. É preciso preservá-la secretamente em seu interior durante anos, como o caroço horrendo dentro de um pêssego."
"A suspeita, quando começou a penetrar como um saca-rolhas em meus pensamentos, fez-me experimentar tudo duas vezes: como promotor em investigação e pai ansioso, o primeiro atrás da verdade, o outro aterrorizado com ela."
"O elemento humano em qualquer sistema está sempre propenso ao erro. Por que os tribunais seriam diferentes? Não são. Nossa confiança cega no sistema é o produto da ignorância e da crença em pensamentos mágicos e nem no inferno eu confiaria o destino do meu filho a isto. Não porque eu acreditasse que ele fosse culpado, asseguro-lhe, mas precisamente porque era inocente. Eu estava fazendo o pouco que podia para assegurar o resultado correto, o resultado justo. Se não acredita em mim, passe algumas horas no tribunal criminal mais próximo, depois pergunte a si mesmo se realmente acredita que ele seja isento de erros. Pergunte a si próprio se confiaria seu filho a ele."
"... eu lhe dera o conselho errado na noite anterior, quando lhe dissera que “fosse forte”. Eu estava dizendo ao meu filho, em poucas palavras, para que fosse como eu. Mas agora, ao ver que ele incorporara as minhas palavras e envolvera-se em uma resiliência teatral, como um Clint Eastwood adolescente, arrependi-me de ter feito o comentário. Eu queria que o outro Jacob, meu filho brincalhão, desastrado, mostrasse novamente a sua cara. Porém era tarde demais. De todo modo, o papel de durão que Jacob representava era, para mim, estranhamente tocante."
"... ninguém a quem valha a pena conhecer pode ser propriamente conhecido, ninguém que valha a pena possuir pode ser realmente possuído"
"Existem duas variantes genéticas específicas que foram ligadas ao comportamento antissocial masculino(...).  A primeira é um alelo de um gene chamado MAOA. O gene MAOA localiza-se no cromossomo X. Ele controla uma enzima que metaboliza certos neurotransmissores como serotonina, noradrenalina e dopamina. Tem sido chamado de 'gene guerreiro' por causa da associação com comportamentos agressivos. A mutação é chamada MAOA Nocaute. (...) Nosso entendimento da interação entre os genes e o ambiente aumentou desde então. (...) A segunda mutação encontra-se no gene chamado transmissor de serotonina. O nome oficial do gene é SLC6A4. Ele está localizado no cromossomo 17 e codifica uma proteína que facilita a atividade do sistema transmissor de serotonina, o qual possibilita a recaptação de serotonina da sinapse de volta para o neurônio. (...) Sempre nos perguntamos: o que gera o comportamento humano? Natureza ou criação? E temos sido muito bons no estudo do lado da equação relativo à criação. (...) A estrutura do DNA só foi descoberta em 1953. Estamos apenas começando a compreender. Estamos apenas começando a olhar para o que somos. Não como alguma abstração como a 'alma' ou alguma metáfora como o 'coração humano', mas para a mecânica real dos seres humanos, as porcas e os parafusos. Isto (..), o corpo humano, é uma máquina. É um sistema, um sistema muito complexo feito de moléculas e conduzido por reações químicas e impulsos elétricos. Nossas mentes são parte desse sistema. As pessoas não têm problemas em aceitar que a criação afete o comportamento. Por que não a natureza?"
"... era mais fácil suportar os grandes momentos do que os momentos intermediários, os não eventos, a espera."
"... só Deus sabe o quanto eu ainda o amava, e não havia prova — nenhuma prova real — de nada. O advogado em mim compreendia tudo aquilo. Mas a parte de mim que era o pai de Jacob se sentia cortada, ferida. Uma emoção é um pensamento, sim, uma ideia, mas também uma sensação, uma dor em seu corpo. Desejo, amor, ódio, medo, repulsa — você sente essas coisas em seus músculos e ossos, não apenas na mente. Foi essa a sensação quando meu coração quebrou um pouco: como um ferimento físico, nas profundezas do meu corpo, uma hemorragia interna, um corte que continuava a sangrar."
"Já ouviu falar em viés confirmatório? Viés confirmatório é a tendência a ver coisas em seu ambiente que confirmem suas ideias preconcebidas e não ver coisas que entrem em conflito com o que você já acredita. Imagino que algo parecido aconteça com os filhos. Você vê o que quer ver."
"... até aí, todos contamos para nós mesmos histórias sobre nossa vida. O homem da grana diz a si mesmo que, ao ficar rico, está na verdade enriquecendo outros, o artista diz a si mesmo que suas criações são obras de beleza imortal, o soldado diz a si mesmo que está do lado dos anjos. Já eu contava a mim mesmo que, no tribunal, faria as coisas darem certo — que, quando eu vencesse, a justiça seria servida."
"O transtorno reativo de vinculação é um diagnóstico relativamente novo. E, por ser novo, não sabemos muito a respeito. Não foram realizados muitos estudos. É incomum, difícil de diagnosticar e difícil de tratar. O aspecto crítico do transtorno reativo de vinculação é que o distúrbio brota de um rompimento das ligações comuns da infância nos primeiros anos de vida. A teoria é que, normalmente, as crianças pequenas se ligam a um único cuidador confiável e, a partir dessa base segura, exploram o mundo. Elas sabem que suas necessidades emocionais e físicas básicas serão atendidas por aquela única pessoa. Quando o cuidador confiável não está presente, ou quando muda com muita frequência, as crianças podem se relacionar com os outros de modos inapropriados, às vezes grosseiramente inapropriados: agressões, raiva, mentiras, rebeldia, falta de remorso, crueldade; ou excesso de familiaridade, hiperatividade,  comportamentos perigosos. A definição desse distúrbio exige algum tipo de rompimento nos primeiros anos de cuidados... ‘cuidados patogênicos’, geralmente maus-tratos ou negligência por parte do pai ou do cuidador. Mas há alguma controvérsia quanto ao que isso significa exatamente. (...) Algumas crianças apenas parecem ter temperamento vulnerável a transtornos de vinculação, de modo que até mesmo pequenas perturbações... a creche, por exemplo, ou ser passado de um cuidador a outro com muita frequência... podem ser o bastante para disparar um transtorno de vinculação."