segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Fome - Knut Hamsum

"Fome" é um daqueles livros que você devora, com fome de leitura (desculpa o trocadilho bobo).
Um jornalista desempregado, sem nenhum dinheiro, relata em primeira pessoa a sobrevivência (ou tentativa dela) sem comida, moradia fixa, as alucinações, pertubações mentais, esquizofrenias, loucuras mescladas com momentos de lucidez ou desespero, fruto da fome que passa e falta de perspectiva. Entremeados, questionamentos sobre a vida, Deus, ética, amizade... Escreve artigos ocasionais para um jornal, que rende poucos trocados, mas não o suficiente para durar muito. Logo inicia-se um novo ciclo, uma nova busca, os efeitos da inanição nascendo física e mentalmente a cada dia. Ambienta-se em Cristiania (hoje Oslo, capital da Noruega).
No caminho da sua procura pela sobrevivência, lida com o dilemas como honestidade e o "vale tudo" para viver, o autovalor ditado pelo aspecto físico, cada dia mais deteriorado, personagens que vêm e vão, numa trama psicológica e extremamente bem escrita. Esse último item, pode até ser pela edição lida, que foi traduzida por ninguém menos que Carlos Drummond de Andrade.
Um livro surpreendente. Faz-nos rir de uma situação triste, pela forma com que é relatado, mas também consegue nos trazer a angústia de um sem-teto e sem-comida.
Vale a pena ler.
Leia alguns pequenos trechos:
Inicia-se assim: "Naquele tempo, com a barriga na miséria, eu vagava pelas ruas de Cristiânia, cidade singular, que deixa marca nas pessoas..."
"A ideia de Deus voltou a preocupar-me. Era absolutamente injustificável de sua parte interpor-se toda vez que eu procurava um emprego, e estragar tudo, quando minha aspiração se resumia em ganhar o pão cotidiano. Eu observava muito bem que, se jejuasse durante um período bastante longo, era como se os miolos se escorressem suavemente do cérebro, esvaziando-o. A cabeça tornava-se leve, como que ausente; já não lhe sentia o peso sobre os ombros; e, se olhava para alguém, tinha a sensação de que meus olhos estavam fixos, arregalados".
"A consciência de minha honestidade subiu-me à cabeça, inundando-me com o sentimento grandioso de que eu era um caráter, um farol de extrema claridade em meio ao oceano lamacento de homens, entre destroços flutuantes".
"Tinha fome, uma fome brava. Infelizmente não tinham durado muito as dez coroas. Havia dois ou três dias que não punha comida na boca; deprimido, era com esforço que segurava o lápis. Trazia no bolso meio canivete, um molho de chaves, e nem um só níquel".
"E a fome a roer-me por dentro; eu engolia saliva, na esperança de saciar-me, e parecia que dava resultado. Já durante semanas, antes desse jejum completo, alimentava-se muito pouco, e as forças tinham diminuído consideravelmente nos últimos tempos".
"À medida que as horas passavam, eu me via cada vez mais carcomido física e moralmente, e deixava-me levar à prática de ações cada vez menos honestas."