segunda-feira, 28 de setembro de 2015

São Bernardo - Graciliano Ramos

No livro, o narrador-personagem, Paulo Honório, conta sua estória em forma de lembrança, relata seu caminho até chegar a latifundiário, dono da fazenda São Bernardo, em Alagoas.
Órfão, criado pela negra Margarida, doceira. Aprende a ler na prisão, quando esfaqueia um homem para "lavar a honra" por causa de Germana, a mulher que o iniciou sexualmente.
Para progredir, age calculada e friamente, ambicioso e, de sua realidade pobre, alcança o poder econômico. Com mais de quarenta anos, decide ter um filho e escolhe Madalena, uma professora bonita e boa, por quem desenvolve um certo interesse. Casam-se, Paulo então passa a viver com a esposa e D. Glória, a tia que a criou, para São Bernardo.
Após dois anos de casamento, com um filho de quem não gosta, começa a sentir ciúmes de Madalena, um Dom Casmurro nordestino. A esposa comete suicídio, a tia resolve ir embora, a revolução leva grande parte de seus empregados, outros vão embora e Paulo decide escrever um livro com suas lembranças. Semi-analfabeto, o livro que Paulo escreve é o "São Bernardo", o livro que estamos falando.
Repleto de expressões que, por vezes, nos escapa o conhecimento, pelo seu regionalismo, linguagem própria de quem o escreve, sem o trato das letras. Aí encontra-se o melhor do livro: pensar pelo rebuscado da escrita, rude, real.
Deveria ser uma leitura obrigatória para todos que amam a literatura.
Passagens:
"Alcancei mais do que esperava, mercê de Deus. Vieram-me rugas, já se vê, mas o crédito, que a princípio se esquivava, agarrou-se comigo, as taxas desceram. E os negócios desdobraram-se automaticamente. Automaticamente. Difícil? Nada! Se eles entram nos trilhos, rodam que é uma beleza. Se não entram, cruzem os braços. Mas se virem que estão de sorte, metem o pau: as tolices que praticarem viram sabedoria. Tenho visto criaturas que trabalham demais e não progridem. Conheço indivíduos preguiçosos que têm faro: quando a ocasião chega, desenroscam-se, abrem a boca - engolem tudo."
"A verdade é que não me preocupo muito com o outro mundo. Admito Deus, pagador celeste dos meus trabalhadores, mal remunerados cá na terra, e admito o diabo, futuro carrasco do ladrão que me furtou uma vaca de raça. Tenho portanto pouco de religião, embora julgue que, em parte ela é dispensável num homem. Mas mulher sem religião é horrível."
"É o processo que adoto: extraio dos acontecimentos algumas parcelas; o resto é bagaço."
"Já viram como perdemos tempo em padecimentos inúteis? Não era melhor que fôssemos como os bois? Bois com inteligência. Haverá estupidez maior que atormentar-se em vivente por gosto? Será? Não será? Para que isso? Procurar dissabores! Será? Não será?"
"Com esforço e procurando distração, conseguia reprimir-me. Era intuitivo que o aceno não podia ser para ela. Não podia. Ora não podia!
- Uma mulher não vai com carrapato porque não sabe qual é o macho."
"Cinqüenta anos! Quantas horas inúteis! Consumir-se uma pessoa a vida inteira sem saber por quê! Comer e dormir como um porco! Como um pomo! Levantar-se cedo todas as manhãs e sair correndo, procurando comida! E depois guardar comida para os filhos, para os netos, para muitas gerações. Que estupidez! Que porcaria! Não é bom vir o diabo e levar tudo?"